Juros Futuros e o Efeito Âncora Fiscal: Como a Curva de DI Revela Oportunidades e Riscos em Renda Fixa
A curva de juros futuros ignorou o otimismo global e subiu no Brasil: descubra o que o mercado está realmente precificando e como essa mensagem pode transformar sua estratégia em renda fixa.
No fechamento desta terça-feira, a curva de DI apresentou um comportamento que seria difícil de antecipar para quem se apoia apenas em movimentos globais: enquanto os juros americanos derreteram com a expectativa de corte do Fed, os contratos de DI longos no Brasil dispararam, contrariando totalmente o fluxo externo. O vértice de 2029, por exemplo, saltou 30 pontos-base, enquanto as taxas curtas ficaram praticamente inertes. Esse movimento, que tecnicamente chamamos de "bear steepening" — inclinação altista da curva —, é o tipo de sinal raro que separa o ruído da mensagem central do mercado. Olhando para trás, lembro de uma conversa com um gestor experiente que dizia: "Quando a curva de juros ignora o mundo e sobe sozinha, não é medo, é recado." Hoje, a curva gritou.
O pano de fundo internacional foi de puro alívio: Treasuries de 2 e 10 anos com quedas fortes nas taxas, impulsionadas pelo consenso de que o Fed anunciará novo corte de juros. Historicamente, esse cenário derrubaria também os juros no Brasil, via canal do câmbio e apetite a risco. Mas não foi o que se viu. Por aqui, o risco fiscal roubou toda a cena. O relatório da IFI apontando a necessidade de um ajuste extra para fechar as contas de 2025, somado às discussões sobre compensações para a nova faixa de isenção do IR, adicionaram um grau de incerteza que o investidor de renda fixa não perdoa — principalmente no longo prazo. O resultado foi uma elevação abrupta dos DI de vencimentos longos, enquanto o contrato mais curto (2025) praticamente não se moveu, preso ainda à âncora da política monetária de curto prazo.
Tecnicamente, a curva de hoje chamou atenção pelo contraste entre os vértices. No trecho curto, a diferença entre o DI out/2026 e o DI nov/2025 praticamente não mudou, sugerindo que as apostas para os próximos passos do Copom seguem ancoradas — o spread caiu apenas 0,8 ponto-base, um movimento irrelevante que indica estabilidade nas expectativas de Selic para o horizonte mais imediato. No médio prazo, porém, o spread entre out/2027 e out/2026 aumentou 3,5 pontos-base, mostrando que o mercado começou a ajustar para cima o prêmio exigido para carregar risco fiscal adiante, mesmo sem grandes alterações na perspectiva de inflação de médio prazo. O ponto mais sensível veio no extremo longo: o spread entre out/2029 e out/2028 subiu para 11 pontos-base, reforçando a percepção de que, independentemente do comportamento do dólar ou da bolsa, quem empresta dinheiro ao governo para prazos dilatados exige cada vez mais prêmio para se proteger do risco fiscal. O formato consolidado da curva hoje é de inclinação positiva, com uma "barriga" ascendente nos vértices longos — típico de cenários em que o prêmio de risco se concentra no horizonte mais distante, enquanto o curto prazo permanece inerte. É uma curva que, na prática, desenha o retrato do dilema brasileiro: curto ancorado, longo estressado.
Esse comportamento técnico revela uma tensão latente entre os esforços de política monetária para manter as expectativas de inflação sob controle e o crescente ceticismo quanto à capacidade do governo de entregar um ajuste fiscal crível. O dado mais intrigante do dia foi a completa desconexão entre os mercados: enquanto o dólar caiu e o Ibovespa renovou máxima, a curva de juros — sempre mais sensível aos riscos de longo prazo — foi na contramão, aprofundando o prêmio exigido para financiar o Estado. Em outras palavras, enquanto a política monetária tenta ancorar expectativas no curto prazo, a política fiscal fragiliza a confiança no longo prazo, criando um cenário em que o BC pode até desejar cortar a Selic, mas o mercado já precifica um limite restrito para essa queda. Se o ruído fiscal continuar, poderíamos ver a curva longa permanecendo pressionada, mesmo com alívio externo e cortes de juros em economias centrais. Por outro lado, uma surpresa positiva no front fiscal abriria espaço para um fechamento expressivo das taxas longas, com impacto direto nos preços dos títulos de longo prazo.
Diante dessa divergência clara entre mercados — juros longos estressados, bolsa e câmbio em modo de apetite a risco —, enxergo aqui uma oportunidade assimétrica para quem busca estruturar a carteira de renda fixa com base em sinais de convergência futura. O argumento consensual hoje é de cautela máxima com prazos longos, dado o prêmio de risco alto e o histórico de volatilidade da curva. Mas justamente por isso, a assimetria se forma: com o prêmio de risco já elevado, o potencial de perda adicional parece limitado, enquanto o ganho potencial em caso de uma surpresa fiscal positiva é expressivo. A tese, portanto, é que o mercado de renda fixa já embutiu boa parte do pessimismo fiscal, tornando os títulos indexados à inflação de longo prazo (Tesouro IPCA+) uma oportunidade estratégica de proteção e ganho de capital caso o cenário fiscal encontre um ponto de inflexão.
O gatilho para essa tese é objetivo: observar dois fechamentos consecutivos de queda nas taxas dos DI longos (por exemplo, o DI out/2029 recuando dos atuais 13,19% para abaixo de 13,00%), o que sinalizaria um início de reprecificação do risco fiscal, provavelmente motivado por alguma sinalização crível do governo ou por uma melhora inesperada nas contas públicas. Esse seria o ponto de entrada para aumentar a alocação em Tesouro IPCA+ de vencimentos longos, aproveitando a marcação a mercado para capturar o prêmio já embutido. A execução prática, portanto, envolve uma exposição tática — mas com horizonte estratégico, de meses — a esses títulos, priorizando a disciplina de entrada baseada em sinais objetivos da curva. O ponto de proteção (disciplina de saída) deve ser claro: se, ao contrário, as taxas longas seguirem subindo e o DI out/2029 fechar acima de 13,50%, isso indicaria que o risco fiscal se agravou além do que já estava precificado, exigindo a redução ou realocação das posições para ativos mais defensivos, como Tesouro Selic ou pós-fixados.
Em resumo, o cenário de hoje nos mostra que, quando a curva de juros manda um recado tão claro — isolando-se dos pares globais e dos demais ativos domésticos —, o investidor atento pode encontrar oportunidades onde o consenso enxerga apenas risco. O segredo não está em adivinhar o futuro, mas em identificar quando o pessimismo já está embutido nos preços e calibrar a exposição ao risco com disciplina. No fim das contas, o mercado é um grande espelho: às vezes, ele reflete o medo do que pode vir; noutras, projeta o exagero do que já passou. O desafio é saber em qual reflexo você está olhando — e, mais importante, o que fazer diante dele.
Compartilhe:



