Fechamento do Dólar indica força do real, mas risco fiscal persiste e abre espaço para movimentos táticos no mercado de câmbio
O otimismo global impulsionou o real além dos pares emergentes, mas sinais da curva de juros mostram que o risco fiscal brasileiro continua limitando o potencial de valorização da moeda — compreender esse cabo de guerra é fundamental para navegar o câmbio e identificar oportunidades assimétricas nos investimentos.
O dólar encerrou esta segunda-feira cotado a R$ 5,3670, em queda de 0,40% no dia, após abrir em R$ 5,3899, registrar máxima de R$ 5,3835 e mínima de R$ 5,3600. Esse movimento de baixa expressiva foi ainda mais notório porque superou amplamente a variação global do dólar (DXY -0,15%). O real se destacou entre as moedas emergentes, reforçando a leitura de que o pregão foi marcado por um fluxo positivo direcionado ao Brasil. Ao conversar hoje com um gestor de fundos experiente, ouvi aquela frase que ecoa em dias de descolamento: "Quando o mercado te entrega um presente, vale a pena olhar o que está por trás do embrulho." Não foi diferente desta vez — o presente veio em forma de câmbio mais barato, mas o embrulho fiscal continuou ali, bem visível.
A dinâmica do dia foi alimentada fortemente por fatores externos. O clima de otimismo nos mercados globais ganhou tração após a reunião positiva entre os presidentes Lula e Trump, que elevou as expectativas sobre uma possível reversão das tarifas americanas, e pelos avanços nas negociações entre EUA e China, que podem destravar um encontro entre Trump e Xi Jinping. O efeito imediato foi um aumento do apetite por risco: investidores buscaram ativos de mercados emergentes, reduzindo a demanda por dólares e beneficiando moedas como o real. No plano doméstico, a divulgação do Boletim Focus pelo Banco Central, mostrando nova queda nas expectativas de inflação para 2025, acrescentou um toque de confiança ao cenário local. Uma inflação mais comportada sugere juros reais ainda interessantes, o que reforça a atratividade do Brasil para o chamado carry trade. O resultado foi um movimento de valorização do real acima do que se viu em pesos ou rand, sinalizando que o Brasil surfou uma onda dupla de notícias positivas.
A leitura técnica do dólar não deixa dúvidas quanto ao predomínio da força vendedora. A moeda fechou perto da mínima, em linha com a tendência de baixa diária, semanal e mensal, todas confirmadas pelo cruzamento das médias móveis e indicadores de momentum. O dado mais relevante, contudo, foi a divergência entre o desempenho do real e seus pares. O real se valorizou mais do que o peso mexicano, chileno e o rand, num sinal de que o fluxo comprador de ativos brasileiros foi além da melhora no humor global. Esse descolamento positivo merece atenção, pois costuma indicar um excesso de otimismo, especialmente quando não encontra respaldo pleno nos fundamentos domésticos. O contraponto veio da curva de juros: enquanto as pontas curta e longa cederam, refletindo o alívio externo e as melhores expectativas de inflação, o vértice intermediário (DI2027) subiu 11 pontos-base, destacando o risco fiscal pós-eleitoral. Ou seja, há uma clara divergência entre a narrativa de otimismo externo e os sinais de alerta domésticos — um lembrete de que o mercado de câmbio pode estar correndo à frente da realidade fiscal brasileira.
Hoje, não há como evitar a metáfora do cabo de guerra: de um lado, o otimismo internacional puxa o real para cima, alimentado pelo fluxo de capital e pela expectativa de acordos comerciais; do outro, o risco fiscal interno funciona como âncora, impedindo que a moeda avance ainda mais. O comportamento do DXY — praticamente estável, sinalizando normalidade cambial global — mostra que o movimento do real foi, de fato, específico e direcionado por fatores idiossincráticos do Brasil. A dinâmica da curva de juros, com o DI2027 se destacando como "termômetro do risco fiscal", sugere que, se o tema das contas públicas voltar ao centro do debate, poderemos observar um ajuste rápido do câmbio, revertendo parte do movimento de hoje. Caso, porém, o ambiente externo continue favorável e as negociações comerciais avancem, é provável que o real mantenha desempenho superior ao de seus pares, pelo menos enquanto o risco fiscal permanecer sob controle aparente. Em resumo, o cenário do câmbio segue sendo definido por essa tensão — se o cabo de guerra pender para o lado fiscal, a tendência de valorização do real pode perder força de maneira abrupta.
Do ponto de vista de alocação, a oportunidade do dia nasce justamente dessa divergência entre o desempenho do real e a persistência do risco fiscal doméstico. O consenso do mercado pode argumentar que, diante do otimismo externo e do fluxo positivo, não haveria porque buscar proteção cambial agora — afinal, o dólar segue em tendência de baixa e o carry trade ainda é atrativo com juros altos no Brasil. A tese assimétrica, no entanto, está em reconhecer que esse otimismo já está amplamente precificado na cotação e que o mercado, ao ignorar o sinal de alerta da curva de juros intermediária, pode estar subestimando o potencial de uma reprecificação rápida em caso de deterioração fiscal ou de um revés nas negociações políticas.
O gatilho mais objetivo para materializar essa tese seria a persistência do descolamento do real em relação aos pares emergentes por mais um ou dois pregões, sem que haja uma melhora clara na percepção de risco fiscal (por exemplo, se o DI2027 seguir pressionado). Caso isso aconteça, pode ser um sinal de que o mercado está esticando a corda do otimismo e, portanto, um bom momento para reforçar a proteção cambial na carteira de investimentos. A execução prática pode se dar pelo aumento tático da exposição a ativos dolarizados (ETFs como IVVB11 ou BDRs de empresas globais) — uma postura que atua como hedge natural em cenários de reversão do câmbio, além de preservar o poder de compra internacional do portfólio. Para quem busca uma exposição mais direta, contratos futuros de dólar ou fundos cambiais também cumprem o papel. A proteção (ou disciplina de saída) deve ser baseada em dois sinais: se o governo anunciar medidas fiscais críveis ou se a curva de juros intermediária reverter a alta e sinalizar redução do risco, é hora de desmontar a posição de hedge, pois o cenário de estresse teria sido neutralizado. Em essência, essa abordagem busca capturar uma oportunidade de proteção de baixo custo justamente no momento em que o mercado aparenta estar mais confiante, aproveitando a assimetria entre o prêmio de risco fiscal (ainda latente) e o preço já “esticado” do real frente ao dólar. O horizonte aqui é tático, ideal para quem acompanha o mercado de perto e busca reagir a mudanças rápidas de cenário.
No fim das contas, o câmbio é como aquele jogo de tabuleiro em que cada movimento pode mudar a dinâmica — e nem sempre o dado rola a favor do consenso. O segredo está em observar o que o mercado ainda não precificou completamente, questionar as certezas do dia e, principalmente, não confundir otimismo passageiro com mudança estrutural. Afinal, no mercado de moedas, quem só olha para o lado mais iluminado da praça pode ser surpreendido pela sombra do poste logo adiante.
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