Um pregão de cautela e a urgência do olhar interno
A queda discreta do Ibovespa hoje reflete uma verdade incontornável: mesmo com o vento a favor lá fora, a bússola do investidor aponta para o risco doméstico.
Às vezes, quando o sinal da rua é ruidoso, a gente precisa parar para ouvir a melodia que toca em casa. Foi exatamente isso que me pareceu acontecer no pregão de hoje. O Ibovespa fechou em 141.618 pontos, com uma queda de 0,12%, operando com um volume bem abaixo da média, de R$ 7,48 bilhões. A mínima do dia, em 141.605, veio praticamente junto com o fechamento, sugerindo que, por mais que houvesse uma tentativa de alta no início da tarde, a pressão de venda venceu a batalha final. Eu me lembro de uma vez, ainda no início da minha jornada no mercado, quando eu fixava o olhar nos dados americanos, esperando a sinalização perfeita para entrar. O emprego lá fora caía, o que era um bom sinal para o mercado, mas a bolsa brasileira simplesmente não andava. Olhando hoje, percebi que a história se repete, com a revisão para baixo na geração de empregos nos EUA reforçando a tese de que o Fed terá espaço para cortar juros, o que historicamente anima os investidores a se arriscarem em mercados emergentes. No entanto, hoje a gente não viu esse entusiasmo por aqui. O mercado local, sem dúvida, tinha suas próprias preocupações.
O que pesou sobre os ativos brasileiros não foi a política monetária americana, mas sim a incerteza política. O julgamento do Bolsonaro no STF se transformou no elefante na sala, com o mercado em modo de espera e com uma liquidez reduzida, como se os investidores estivessem segurando o fôlego antes de uma decisão importante. A leitura é que, além da instabilidade política em si, a possibilidade de retaliações comerciais da administração Trump, aliada do ex-presidente, em caso de condenação, criou um prêmio de risco que não pode ser ignorado. Esse temor de instabilidade fez com que o Ibovespa operasse de forma descorrelacionada do otimismo externo, sinalizando que a cautela doméstica era o fator preponderante do dia. A tese de que o Ibovespa operou em “modo de espera” se reforçou com a antecipação de dados de inflação importantes, o IPCA no Brasil e o PPI/CPI nos EUA, que serão divulgados nos próximos dias.
Do ponto de vista técnico, a leve queda de hoje, em um contexto de tendência forte de alta tanto diária, semanal quanto mensal, pode ser interpretada como uma correção saudável dentro de uma tendência dominante. O fato de que a máxima do dia não rompeu com força o topo anterior e o volume foi baixo sugere que o movimento de venda não tem convicção, mas sim um reflexo da cautela. A leitura técnica, portanto, reforça a tese de que estamos diante de um momento de pausa no rali, mas não de uma reversão.
O que significa investir em um cenário em que o crescimento perde fôlego, mas os juros continuam altos? A economia brasileira está em uma fase de desaceleração clara no PIB, com a inflação ainda se mostrando resiliente. Essa combinação de queda na atividade com inércia inflacionária cria um risco de estagflação. A mensagem implícita dos investidores, via inclinação da curva de juros, é de ceticismo com a trajetória fiscal de longo prazo, indicando que o Banco Central pode ter menos espaço para cortar juros no futuro se o risco político e fiscal não for endereçado. Essa dinâmica nos diz que, embora o cenário técnico de curto prazo seja de uma correção saudável, o quadro macro sugere uma limitação de avanço para o Ibovespa no longo prazo, a menos que os riscos fiscais e políticos sejam dissipados. Se a incerteza política persistir, é provável que vejamos o mercado se consolidar em patamares mais baixos, enquanto a espera por um catalisador positivo se mantém.
Diante desse cenário de incerteza e desaceleração, o movimento dos juros longos hoje reforça a necessidade de priorizar empresas de baixa alavancagem, especialmente se o cenário apontar para uma persistência de juros elevados. Empresas com dívidas robustas tendem a sofrer com a alta no custo de serviço dessa dívida, afetando diretamente a rentabilidade. O movimento de capital para empresas mais defensivas e com balanços sólidos sugere que os investidores buscam estabilidade, e posicionar-se em empresas com fluxo de caixa consistente e balanços saudáveis pode ser uma estratégia mais resiliente neste momento. Este tipo de abordagem de alocação não visa antecipar uma queda, mas sim proteger o capital e ter munição para atuar em eventuais oportunidades que surjam de uma maior volatilidade. É, acima de tudo, uma forma de alinhar o portfólio à fase atual do ciclo econômico e à dinâmica de juros que pode persistir no cenário de incerteza fiscal.
A análise apresentada neste artigo é de caráter educacional e informativo e não deve ser interpretada como uma recomendação de investimento individualizada. A decisão de investir deve sempre ser tomada com base no perfil de risco e nos objetivos financeiros do leitor, e para quem está começando ou está inseguro, é fundamental buscar a orientação de um profissional qualificado.
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