Real mostra força e desafia o dólar: sinais de continuidade na baixa surpreendem e abrem margem para estratégias táticas no mercado de câmbio
O fechamento do dólar apontou para uma queda robusta, guiada por um contexto de descompressão política e sinalizações técnicas claras, dando ao investidor atento uma leitura privilegiada sobre oportunidades e riscos no mercado de moedas. Compreender o que impulsionou este movimento pode ser a chave para antecipar os próximos capítulos do câmbio brasileiro.
O dia terminou com o dólar cotado a 5,3070, encerrando a sessão em baixa expressiva de -0,46%, depois de oscilar entre a máxima de 5,3423 e a mínima de 5,3080. Os sinais técnicos reforçaram um padrão de baixa firme — tanto no horizonte diário quanto semanal e mensal, fundamentados por médias móveis e confirmações em indicadores como RSI e MACD. Esse movimento não se deu no vazio: a notícia de uma conversa cordial entre Lula e Trump funcionou como aquele vento inesperado que empurra o barco adormecido, aliviando, mesmo que temporariamente, a tensão geopolítica e o risco de rupturas comerciais com os EUA, que vinham pressionando o prêmio de risco do Brasil. Para quem já viu outros ciclos de tensão e distensão política, é interessante notar o quanto o mercado de câmbio reage com sensibilidade quase instantânea a esses gestos simbólicos — muitas vezes, mais do que à própria concretização de políticas.
O pano de fundo desse alívio cambial foi reforçado por fatores domésticos: o Boletim Focus revisou para baixo as projeções de câmbio e inflação para 2025, dando suporte adicional ao real. O movimento foi validado pela queda nas taxas de juros futuras longas, sinalizando que o mercado começa a precificar uma política monetária menos restritiva, ou, pelo menos, um ambiente menos pressionado pelo risco local. Contudo, nem tudo seguiu o mesmo roteiro otimista: o Ibovespa caiu 0,41%, puxado por realizações em bancos, evidenciando que parte do mercado ainda mantém cautela diante do cenário fiscal. Essa divergência entre o otimismo do câmbio e o receio da bolsa funcionou como um freio, impedindo um mergulho ainda maior do dólar. Ou seja, mesmo com fluxo favorável ao real, há uma trava de prudência doméstica, típica de ciclos em que o risco fiscal e as dúvidas sobre o ritmo do crescimento seguem vivos no radar dos investidores.
No campo da análise técnica, o padrão de continuidade baixista se destacou de forma inequívoca. O cruzamento entre a variação diária e a configuração das tendências em múltiplos prazos desenhou um cenário de persistência da força do real. Mas o ponto realmente intrigante do pregão foi a clara divergência entre o comportamento do dólar global (DXY) e o dólar local (USD/BRL): enquanto o DXY subiu 0,39% — sinalizando estabilidade ou até leve fortalecimento do dólar no mundo —, o real se valorizou de modo independente, desconectando-se desse vetor externo. Essa dissociação revela que o movimento do câmbio brasileiro foi pilotado menos por fatores globais e mais por uma queda no prêmio de risco-Brasil, catalisada tanto pela distensão política quanto pela performance de exportadoras de commodities como a Vale. Em outras palavras, o real ganhou vida própria no pregão, em um fenômeno que costuma durar enquanto a percepção de risco-país segue em declínio. Vale lembrar: movimentos assim criam janelas de oportunidade, mas também aumentam o risco de reversão abrupta caso o vento externo mude.
Se eu pudesse resumir o dia em uma imagem, seria a de um cabo de guerra: de um lado, o alívio das tensões políticas e a força das commodities puxando o real para baixo (no bom sentido, em relação ao dólar); do outro, a cautela fiscal e a resiliência do dólar global tentando segurar a corda. Por ora, quem vence é o lado do otimismo local, mas a corda nunca deixa de tensionar. O comportamento da curva de juros, em especial o bull flattening observado hoje, sugere que o mercado de renda fixa está disposto a precificar um cenário de estabilidade na Selic por mais tempo, sem, contudo, premiar excessivamente o risco de longo prazo. Se a convergência entre fluxo positivo e redução dos temores políticos persistir, poderíamos ver o real sustentando sua força adiante. No entanto, se o DXY acelerar ou o cenário fiscal voltar ao centro das preocupações globais, a dinâmica pode se inverter rapidamente. Em última instância, a sessão foi menos uma ruptura do regime vigente e mais uma confirmação de que, por ora, o prêmio de risco-Brasil está em fase de compressão — mas essa condição depende de um delicado equilíbrio de forças.
Diante desse contexto, uma abordagem de alocação que considero didaticamente interessante hoje é ancorar no desempenho relativo entre o DXY e o USD/BRL. A resiliência do real frente a uma leve alta global do dólar sugere que estamos vivendo um momento de força específica do Brasil, impulsionada por fatores locais e por um fluxo favorável a ativos de risco nacionais. Estratégias táticas podem explorar essa diferença: investidores podem monitorar se o real continua performando melhor do que pares emergentes mesmo diante de eventuais pressões do dólar global. Se a resiliência persistir, posições compradas em ativos domésticos (ações de importadoras, setores de consumo) podem se beneficiar, ao passo que um eventual alinhamento do USD/BRL à tendência do DXY — caso haja uma virada no cenário externo ou um estresse fiscal local — poderia ser capturado por proteções cambiais (hedges) ou até apostas direcionais na alta do dólar. O horizonte dessa abordagem tende a ser tático, mirando as próximas semanas, justamente porque movimentos de descorrelação como o de hoje costumam ser transitórios e requerem vigilância constante.
A volatilidade do câmbio, assim como o humor das multidões, pode mudar de direção quando menos se espera. Em momentos de aparente calmaria, vale lembrar: o mercado não entrega certezas, mas oportunidades para aqueles que sabem observar os fios invisíveis que movem o preço. Fica a provocação: você está atento aos sinais que indicam quando a corda pode partir para o outro lado?
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