Juros Futuros e a Reconstrução da Âncora Fiscal: Como a Queda dos DIs Longos Redefine Oportunidades em Renda Fixa
A curva de juros futuros brasileira viveu hoje um momento de inflexão: enquanto o mundo sentiu o peso de Treasuries curtos em disparada, por aqui, o alívio fiscal fez os prêmios desabarem nos vencimentos longos. Entenda por que esse movimento pode abrir espaço para novas estratégias em renda fixa — e como identificar o que realmente está mudando no jogo.
O pregão desta quarta-feira trouxe algo raro: um fechamento dos contratos futuros de DI que desafia tanto o script externo quanto a própria narrativa recente do mercado brasileiro. O que se viu foi uma queda expressiva nas taxas dos DIs longos — o contrato para outubro de 2029 despencou 52 pontos-base, estacionando em 13,40%, com o vértice de 2028 também cedendo 23 pontos-base. Os vencimentos intermediários permaneceram virtualmente inertes (DI out/2027 em 13,495%, variação zero), e os curtos sequer reagiram (DI nov/2025 em 14,905%, sem alteração). O resultado? Um achatamento robusto da curva, o chamado “bull flattening”, com todos os holofotes voltados à parte longa. Eu me lembro de um colega veterano, há anos, dizendo que “quando o mercado ignora o grito do Treasury e dança conforme a música local, é porque algo verdadeiramente relevante mudou no pano de fundo doméstico”. Hoje foi exatamente isso: o fio condutor foi o renascimento, mesmo que parcial, da confiança na âncora fiscal.
Esse pano de fundo ganha tons vívidos quando contextualizamos os contrastes do dia. Lá fora, o “bear flattening” da curva americana — com o Treasury de 2 anos disparando 34 pontos-base — pressionou o mundo emergente e, em teoria, deveria ter contaminado a curva local, especialmente nas pontas curtas e intermediárias. No entanto, o Brasil surpreendeu: o alívio no risco fiscal, impulsionado por revisões positivas no Prisma Fiscal, a suspensão de exigências do TCU e um relatório do FMI menos “apocalíptico” do que o esperado, serviu como colchão para os ativos de renda fixa. A mensagem foi clara: o prêmio de risco Brasil, sobretudo na parte longa, estava superdimensionado diante de um cenário fiscal menos deteriorado do que se temia. Ao mesmo tempo, a postura firme (hawkish) do Banco Central — reiterada em falas de diretores — manteve os vértices curtos ancorados, impedindo qualquer antecipação de afrouxamento monetário.
Tecnicamente, a leitura da curva oferece lições valiosas para quem busca entender o timing das oportunidades. No trecho curto, a inclinação entre nov/25 e out/26 subiu levemente (+3 bps), sugerindo que, apesar do estresse externo, a aposta majoritária segue sendo um BC cauteloso, com a Selic mantida em nível elevado por mais tempo. No médio prazo, a inclinação entre out/26 e out/27 caiu 3 bps, refletindo uma expectativa de manutenção do juro real elevado ao longo de 2026-27, sem espaço para cortes abruptos. O movimento mais relevante, contudo, esteve na ponta longa: o spread entre out/28 e out/29 estreitou-se em 4 bps, fechando em +8,5 bps — um forte sinal de descompressão do prêmio de risco estrutural, típico dos momentos em que o mercado enxerga menor probabilidade de deterioração fiscal futura. O formato consolidado da curva do dia é o de um “bull flattening” clássico, com a parte curta estável, a intermediária ancorada e a longa despencando — um retrato fiel de um mercado que, ao menos por hoje, voltou a premiar a disciplina fiscal como o principal determinante de valor nos ativos de renda fixa.
O que esse movimento revela não é apenas uma confirmação da postura do Banco Central, mas um recado duplo: a autoridade monetária mantém sua vigília contra a inflação, enquanto o mercado, de olho nos fundamentos fiscais, reavalia o tamanho do prêmio de risco exigido para carregar dívida pública de longo prazo. Na prática, as taxas curtas inertes mostram que o ciclo de cortes segue fora do radar imediato, alinhado à comunicação do BC. Por outro lado, a queda acelerada das taxas longas sugere que, caso o ambiente fiscal continue a surpreender positivamente, abrir-se-ia espaço para uma reprecificação ainda maior — inclusive, no limite, viabilizando discussões futuras sobre flexibilização monetária. Entretanto, se esse otimismo se mostrar prematuro — seja por dados fiscais decepcionantes ou uma reviravolta externa —, a curva pode rapidamente devolver parte dessa compressão, reintroduzindo volatilidade nos vértices longos. A divergência em relação ao movimento dos Treasuries americanos ressalta, ainda, o quanto o driver doméstico foi dominante: um exemplo didático de como, em mercados emergentes, a reancoragem das expectativas fiscais pode se sobrepor, ao menos pontualmente, ao humor global.
Do ponto de vista de alocação, o cenário de hoje é um prato cheio para quem busca oportunidades assimétricas ancoradas na dinâmica da inclinação da curva. A tese central é que, mesmo após a forte queda das taxas longas, pode haver espaço para nova compressão de prêmios se o ambiente fiscal continuar a se fortalecer, e que esse movimento não está integralmente precificado. O potencial de ganho via marcação a mercado em títulos prefixados ou indexados à inflação de prazo longo permanece significativo, sobretudo diante da sensibilidade desses papéis a mudanças na percepção de risco soberano. O gatilho para materialização dessa tese seria a continuidade de notícias construtivas no front fiscal — por exemplo, novas revisões positivas nas expectativas de déficit ou avanços legislativos em medidas de controle de gastos. Na execução prática, um investidor pode considerar aumentar taticamente a exposição a Tesouro Prefixado 2029 ou Tesouro IPCA+ 2035/2045, aproveitando as taxas ainda elevadas para capturar um potencial fechamento adicional da curva. A proteção — e aqui reside a disciplina essencial — está na vigilância constante de indicadores fiscais e eventuais reversões no “guidance” do BC: um novo episódio de deterioração fiscal, ou uma sinalização mais dovish do Copom em meio a um ambiente externo adverso, seriam alertas para reduzir a exposição e realizar lucros. Em resumo, trata-se de buscar um ganho potencial de 4% a 7% em marcação a mercado, com stop claramente definido caso as taxas longas voltem a abrir para próximo dos picos recentes.
Hoje, mais do que nunca, vale lembrar: o mercado de juros é como um rio de correntezas imprevisíveis, mas a bússola do investidor atento sempre busca as margens mais seguras — e, justamente por isso, mais rentáveis. O desafio, como sempre, está em distinguir o vento passageiro da mudança estrutural de maré. Você está disposto a questionar o consenso e testar sua própria convicção diante de sinais que, à primeira vista, parecem contraditórios?
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