Juros Futuros, Confiança Local e Renda Fixa: O Sinal da Curva DI e a Oportunidade de Capturar Assimetria
No pregão de hoje, a curva de juros futura enviou um recado raro: mesmo sob tempestade global, o mercado local enxergou motivos para confiar no Brasil — mas será que essa aposta de alto risco está realmente precificada? Descubra como entender esse movimento pode transformar sua estratégia de alocação em renda fixa.
Às vezes, o mercado oferece uma aula viva de finanças comportamentais para quem está atento. Hoje, os juros futuros fecharam em queda generalizada, com destaque para os vértices longos: o DI de 2029 caiu 8 pontos-base, enquanto o DI de 2028 recuou 11 pontos-base. Já os vencimentos curtos, como o nov/2025, mal se moveram, cedendo apenas 1 ponto-base. O movimento foi suficientemente expressivo para achatar um pouco mais a curva, num típico “bull flattening”: taxas longas cedendo mais que as curtas, sinalizando que o mercado vê espaço para alívio nos prêmios de risco e inflação no horizonte maior. Mas o que realmente chamou atenção — e que, sinceramente, poucas vezes vi com tanta clareza — foi a total desconexão da curva local em relação ao estresse histórico nos Treasuries americanos.
É hora de olhar além do fechamento frio das taxas. O que impulsionou esse movimento aparentemente contracorrente? No exterior, o dia foi marcado por um choque nos juros americanos: alta de mais de 120 pontos-base nos Treasuries de 2 e 10 anos, algo que, em condições normais, seria suficiente para provocar uma reprecificação agressiva para cima dos juros em todos os mercados emergentes — Brasil incluso. Só que, por aqui, a força dominante foi doméstica: a expectativa de uma leitura benigna do IPCA-15 de outubro, puxada pela queda nos preços de energia elétrica, ancorou a percepção de inflação e alimentou apostas de continuidade no ciclo de cortes da Selic. O alerta fiscal da IFI — R$ 27,1 bilhões de esforço extra para cumprir a meta de 2025 — até apareceu, mas foi ofuscado pelo otimismo inflacionário. Não ignoro, contudo, que esse “freio invisível” imposto pelo cenário externo provavelmente limitou a intensidade do alívio, impedindo a curva de cair ainda mais.
Tecnicamente, a leitura da inclinação da curva revela nuances importantes. No trecho curto, o spread entre DI out/2026 e nov/2025 ampliou marginalmente (-0,90bps), sugerindo que a precificação para as próximas reuniões do Copom segue fortemente ancorada, sem grandes apostas de aceleração nos cortes. O médio prazo ficou praticamente estável (+0,50bps), refletindo uma visão de que o ciclo de queda dos juros pode continuar, mas sem grandes surpresas. No longo, o spread entre out/2029 e out/2028 também subiu levemente (+0,50bps), evidenciando que, apesar do otimismo, o prêmio de risco estrutural e fiscal não desapareceu — apenas foi temporariamente suprimido pelo fluxo positivo. O formato resultante da curva é de um bull flattening moderado, com a barriga longa apontando para menos prêmio de inflação e risco no longo prazo, mas sem chegar a uma inversão. Essa configuração sinaliza que o mercado, por ora, está convencido de que a inflação vai continuar cedendo, mas ainda exige uma dose extra de retorno para navegar a incerteza fiscal.
Essa dinâmica cria, para o Banco Central, menos um dilema e mais um teste de credibilidade: a queda das taxas longas, mesmo diante do estresse externo, sugere que a autoridade monetária local conseguiu — ao menos por ora — ancorar as expectativas de inflação futura. Contudo, a leve alta nos spreads longos evidencia que o risco fiscal ainda ronda o cenário, pronto para emergir caso o otimismo inflacionário não se confirme. Se o IPCA-15 de fato surpreender para baixo e o ambiente externo se acalmar, poderemos ver uma continuidade do fechamento das taxas intermediárias e longas, abrindo espaço para ganhos adicionais na renda fixa prefixada. Por outro lado, se a pressão nos Treasuries persistir ou se o risco fiscal voltar à tona, a curva pode rapidamente devolver parte desse alívio, principalmente nos vértices longos.
No contexto de alocação, vejo na divergência entre os mercados local e externo uma oportunidade assimétrica — típica de momentos em que o consenso “comprou” uma narrativa e deixou um flanco descoberto. O argumento contrário, claro, é que a pressão dos juros americanos e o risco fiscal brasileiro podem explodir a qualquer momento, tornando temerária qualquer aposta em fechamento adicional da curva. Mas a tese alternativa, que me parece hoje subestimada, é que boa parte desse pessimismo global já está embutido nas taxas longas dos DIs. Quando o mercado local ignora um choque externo tão relevante, pode estar sinalizando que os prêmios de risco por aqui ficaram “gordos demais” — e que, se a narrativa positiva de inflação se confirmar, o potencial de ganho com a marcação a mercado em títulos prefixados ou IPCA+ de prazo intermediário a longo é conceitualmente maior do que o risco de uma reversão adicional.
O gatilho para materialização dessa tese passa pela confirmação de dois a três fechamentos consecutivos de queda nas taxas longas — especialmente se o DI2029 romper abaixo do patamar de 13,00%. Isso indicaria uma convicção crescente de que o cenário de inflação benigna está ganhando tração, abrindo espaço para valorização dos títulos prefixados e atrelados à inflação de prazo intermediário e longo. Na execução prática, o investidor tático poderia aumentar a exposição em Tesouro Prefixado 2027-2029 ou Tesouro IPCA+ 2029, aproveitando as taxas historicamente elevadas para “travar” retornos reais robustos. Para quem prefere mais cautela, uma exposição gradual, com reforço após a confirmação do gatilho técnico, pode ser uma forma de balancear risco e oportunidade.
A disciplina de saída é fundamental: a tese deve ser reavaliada imediatamente caso o DI2029 volte a subir acima de 13,50% ou se o IPCA-15 frustrar o otimismo, reacendendo dúvidas sobre a desinflação. Alternativamente, um novo choque nos Treasuries ou uma deterioração adicional do quadro fiscal brasileiro (por exemplo, a ampliação da necessidade de esforço fiscal bem acima do sinalizado pela IFI) exigiria a redução das posições em títulos longos e o retorno à proteção via pós-fixados.
Em resumo, a assimetria desse cenário reside na oportunidade de capturar um fechamento adicional de prêmio nos vértices intermediários e longos, onde o risco parece já precificado em excesso — mas sem jamais perder de vista que, num ambiente volátil, a defesa (proteção) é tão importante quanto o ataque (alocação agressiva).
Encerrando, deixo uma provocação: o mercado de juros é como um rio após a tempestade — às vezes, a superfície tranquila esconde correntes traiçoeiras. O verdadeiro valor está em saber quando atravessar e quando esperar na margem, ouvindo todos os sinais, inclusive os que a maioria prefere ignorar.
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