Juros Futuros: Bull Flattening na Curva DI Revela Janela Estratégica para Renda Fixa em Meio a Divergência Global
Curva de juros fecha com viés positivo nos vértices longos, mesmo sob pressão dos Treasuries; cenário sugere oportunidades para repensar a alocação e entender as nuances do risco-país.
Ao final desta segunda-feira, a fotografia da curva de juros futuros (DI) no Brasil trouxe um daqueles movimentos que, à primeira vista, parecem contrariar a lógica global, mas que, olhando com mais atenção, revelam a força do fluxo idiossincrático local. Os principais vencimentos da curva DI fecharam o dia assim: o contrato de nov/2025 permaneceu estável em 14,909%, out/2026 subiu levemente para 14,365% (+0,07%), enquanto os vértices longos cederam de forma expressiva — out/2027 recuou para 13,60% (-0,22%), out/2028 para 13,39% (-0,41%) e out/2029 para 13,44% (-0,45%). O que chama a atenção é esse bull flattening: taxas longas caindo mesmo num contexto de alta dos juros americanos e da postura contracionista do Banco Central brasileiro. O pano de fundo? Um avanço nas negociações comerciais e, sobretudo, a valorização do Real, que liberou a ponta longa da curva para buscar um prêmio de risco menor.
Ao destrinchar o que puxou cada ponta da curva, fica claro que fatores externos e internos atuaram em direções opostas, mas foi a força doméstica que prevaleceu. No exterior, o aumento de 5 bps nos yields dos Treasuries americanos normalmente teria poder para pressionar todas as curvas emergentes para cima. Porém, esse “spillover” foi suavizado pela combinação de um fluxo de apetite global por risco (vide a alta de Wall Street e a leitura de que o shutdown americano é passageiro) e, principalmente, pelo noticiário local. O pedido do presidente Lula pela retirada do tarifário imposto por Trump foi interpretado como um alívio potencial ao risco país, especialmente na ponta longa da curva — justamente onde o prêmio costuma embutir as incertezas comerciais e políticas de longo prazo. Uma queda de quase meio ponto percentual no dólar (-0,46%) serviu como catalisador adicional, fortalecendo o real e sinalizando uma janela para o investidor estrangeiro recompor posições em ativos brasileiros, o que se traduziu em compressão dos prêmios longos.
Tecnicamente, o desenho da curva hoje foi um convite à reflexão. No curto prazo, o spread entre nov/2025 e out/2026 subiu levemente de -55,40bps para -54,40bps (+1,00bps), sugerindo um pequeno steepening, provavelmente reflexo da percepção de que, no curtíssimo prazo, o Banco Central seguirá vigilante, mantendo a Selic alta — uma leitura alinhada à comunicação recente do BC, que vem reiterando a necessidade de firmeza diante da inflação e do risco fiscal. Já o trecho intermediário (out/2026 para out/2027) mostrou um flattening ainda mais acentuado, com o spread ampliando em sentido negativo para -76,50bps, o que sugere que o mercado está precificando uma convergência mais rápida das taxas intermediárias para patamares mais próximos dos longos — basicamente, menos prêmio para o meio da curva, refletindo otimismo moderado sobre o ciclo de cortes futuros, mas sem grande apetite para antecipá-los. No longo prazo, a diferença entre out/2028 e out/2029 caiu para +5,00bps, demonstrando que, por ora, o risco fiscal de horizonte mais distante foi parcialmente reprecificado para baixo. O desenho final do dia é de uma curva bull flattening: taxas curtas resilientes, médias acomodando e longas em queda expressiva. Esse formato, sobretudo em dias de divergência com os Treasuries, normalmente indica uma convicção local de que o risco país está em processo de compressão, não obstante o ambiente global mais adverso.
O movimento de hoje, ao contrário de criar um dilema para o Banco Central, acabou reforçando a narrativa defendida por Galípolo e outros membros do BC: manter a Selic em patamar elevado por um período prolongado pode, paradoxalmente, não pressionar tanto a ponta longa quanto normalmente se teme. A queda dos vértices longos sugere que o mercado, pelo menos neste momento, acredita que o prêmio de risco embutido nos DIs longos estava exagerado frente à evolução recente do cenário — seja pela valorização do real, pelas negociações comerciais ou pelo apetite global por emergentes. Em termos de expectativas, a curva parece precificar que cortes de juros só aconteceriam se o cenário inflacionário permitir, e que a política monetária restritiva pode coexistir, por ora, com uma redução dos prêmios de risco de longo prazo. Caso a onda positiva de fluxo estrangeiro e o noticiário político continuem favoráveis, poderíamos ver uma compressão adicional da ponta longa. Por outro lado, se o risco fiscal ou a inflação voltarem ao centro do debate, a reação pode ser rápida, reabrindo os prêmios. No curto prazo, a mensagem é de cautela construtiva: o carry alto ainda é valorizado, mas o prêmio de risco estrutural já começa a ceder.
Esse bull flattening oferece pistas valiosas para a alocação em renda fixa. Ancorando a análise na dinâmica da inclinação, a estratégia que ganha robustez no cenário de hoje é a abordagem de barra (“barbell”): manter boa parte do portfólio em pós-fixados de alta liquidez (Tesouro Selic, CDBs DI) para capturar o carry elevado enquanto a Selic permanece alta, e alocar uma fatia menor em prefixados ou títulos atrelados à inflação (Tesouro Prefixado, Tesouro IPCA+) com vencimento acima de 5 anos, que ainda oferecem prêmios interessantes e podem se beneficiar da continuidade do movimento de compressão dos vértices longos. O racional é capturar o melhor dos dois mundos: preservar liquidez e proteção na parte curta, mas não abrir mão da convexidade que os vértices longos oferecem em momentos de reprecificação positiva do risco país. Vale destacar que essa abordagem é estratégica, mirando meses à frente, mas exige monitoramento atento dos sinais fiscais e inflacionários, pois qualquer reversão rápida pode exigir reposicionamento. O movimento divergente entre a curva DI e os Treasuries hoje funciona como uma “confirmação” de que o prêmio de risco local ainda é sensível ao fluxo de capital e ao noticiário político, não apenas ao cenário global.
No fim das contas, navegar uma curva de juros é como ler o mar: mesmo nos dias de calmaria aparente, há correntes ocultas que podem, de repente, mudar o rumo da maré. Em vez de buscar certezas, talvez o segredo seja aprender a identificar essas correntes — e a surfar, com segurança, as ondas que elas criam. E você, já percebeu qual trecho da curva melhor reflete suas próprias expectativas para o Brasil?
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