Juros Futuros Acendem Alerta: A Curva de DI Sinaliza Risco Ignorado e Expõe Oportunidade assimétrica para a Renda Fixa
Enquanto o Ibovespa celebra recordes, a curva de juros futuros aponta para custos crescentes e um cenário de risco que, mais cedo ou mais tarde, pode exigir um realinhamento estratégico dos investidores de renda fixa e variável.
O fechamento desta quarta-feira trouxe um salto expressivo nas taxas dos contratos futuros de DI, especialmente nos vértices mais longos. O DI para novembro de 2025 encerrou a 14,912% (+8 bps), enquanto o DI outubro/2026 subiu para 14,18% (+18 bps). O avanço ganhou tração nos vencimentos mais distantes: DI 2027 disparou para 13,30% (+34 bps), DI 2028 saltou para 13,15% (+57 bps), e DI 2029 fechou em 13,23% (+34 bps). Essa escalada das taxas longas, acompanhada por uma abertura relevante dos spreads, deixa claro que o custo de financiar o país – e qualquer projeto de longo prazo – ficou sensivelmente mais alto. O contraste com a euforia do Ibovespa, que renovou máximas, e a estabilidade do dólar, sugere que o mercado de renda fixa está enxergando riscos que outros segmentos ainda preferem ignorar.
O pano de fundo desse movimento foi desenhado por forças externas e internas, com peso desproporcional vindo do exterior. O Federal Reserve, ao cortar juros em 0,25 p.p., já havia dado o tom esperado, mas a fala de Jerome Powell após a decisão foi um verdadeiro divisor de águas: seu discurso duro, deixando em aberto a continuidade do ciclo de cortes e enfatizando cautela, fez os rendimentos dos Treasuries dispararem. Esse choque foi rapidamente transmitido à curva brasileira, elevando o prêmio de risco exigido para carregar títulos públicos nacionais, principalmente nos vértices longos. Internamente, essa reprecificação global acentuou o foco sobre as fragilidades do Brasil, em especial a questão fiscal, refletida no estresse dos DIs longos enquanto os curtos permaneceram mais ancorados.
A leitura técnica dos dados de inclinação revela nuances importantes sobre o humor do mercado e suas expectativas. No curto prazo, a inclinação entre DI 2026 e DI 2025 aumentou levemente (+1,3 bps), sinalizando que o mercado ainda vê estabilidade na política monetária para os próximos meses, com poucas surpresas no horizonte imediato do Copom. No médio prazo, o spread entre DI 2027 e DI 2026 também se abriu (+2 bps), reforçando a percepção de que, embora a Selic possa ser mantida por mais tempo, as dúvidas sobre o ciclo de afrouxamento aumentaram. O verdadeiro recado, porém, veio do longo prazo: a inclinação entre DI 2029 e DI 2028 se estreitou (-3 bps), mesmo com ambos subindo forte, indicando um "bear steepening" concentrado na transição do médio para o longo prazo – típico de momentos em que o risco fiscal se sobrepõe a qualquer otimismo de inflação ou crescimento.
O desenho da curva do dia é emblemático: um "steepening" acentuado, especialmente da ponta intermediária para a longa, formando uma espécie de "calombo" que sugere que o mercado está exigindo um prêmio de risco adicional para emprestar ao Brasil no longo prazo. Essa forma não apenas confirma o alerta vindo da renda fixa, mas também aprofunda a mensagem da divergência: enquanto ações celebram lucros e notícias internacionais benignas, a curva de DI lembra que o custo do dinheiro – e da confiança – está subindo.
O movimento de hoje explicitou uma tensão fundamental entre política monetária e risco fiscal, refletida na desconexão entre os vértices da curva. O curto prazo, ainda sob controle da autoridade monetária, mostra resiliência; porém, a abertura abrupta do trecho longo sugere que o mercado está precificando, com crescente convicção, a possibilidade de um cenário em que a combinação de juros globais mais altos e incerteza fiscal doméstica exija prêmios elevados por muito mais tempo. Se o ambiente global continuar restritivo, ou se o debate fiscal local não evoluir para respostas críveis, podemos assistir à continuidade desse prêmio, com impacto direto sobre o custo de rolagem da dívida brasileira e, inevitavelmente, sobre a atividade econômica. Por outro lado, eventuais sinais de alívio – seja de uma reversão no discurso do Fed, seja de avanços concretos na agenda fiscal do Brasil – poderiam abrir espaço para uma reprecificação rápida, com fechamento de taxas e valorização dos títulos de renda fixa, especialmente aqueles mais sensíveis à marcação a mercado.
Diante desse quadro, a abordagem de alocação que mais me chama atenção hoje se ancora exatamente na divergência entre mercados, sugerindo uma oportunidade assimétrica para quem observa com atenção. O argumento consensual – e aqui está o ponto de partida do raciocínio – é que, se a bolsa está em máxima e o dólar estável, o risco-país estaria sob controle e, portanto, o estresse visto na curva de DI seria passageiro, um "exagero" técnico. A tese contrária, porém, é que a curva de juros, tradicionalmente mais sensível ao preço do risco soberano, está dando um sinal de alerta precoce, enquanto o otimismo da bolsa pode ser apenas um reflexo de fatores setoriais ou de fluxo, e não uma avaliação acurada do risco sistêmico.
Oportunidade assimétrica aqui nasce da hipótese de que a precificação dos DIs longos já embute um grau elevado de pessimismo – talvez até exagerado – sobre a trajetória fiscal e global. Se, nos próximos dias, observarmos um movimento de convergência, seja porque a bolsa corrige parte da euforia, seja porque o risco fiscal ganha respostas concretas, o potencial de ganho de capital nos títulos prefixados ou atrelados à inflação de prazo intermediário a longo pode ser expressivo. O gatilho objetivo para avaliar essa convergência seria a observação de dois fechamentos consecutivos com queda nas taxas do DI 2029 (hoje a 13,23%), sugerindo início de um alívio no prêmio de risco. A execução prática dessa tese pode ser feita via aumento de alocação em Tesouro Prefixado 2029 ou Tesouro IPCA+ de prazo semelhante, que hoje oferecem taxas elevadas e, portanto, alta convexidade. Para quem busca proteção adicional, manter uma parcela em Tesouro Selic ou CDBs pós-fixados é prudente. O ponto de reavaliação – a proteção – se daria se a curva longa seguir abrindo e o DI 2029 ultrapassar, por exemplo, 13,50% nos próximos pregões, sinalizando que o movimento de estresse ainda não foi totalmente precificado.
Em síntese, a relação risco/retorno nesse cenário é como uma mola comprimida: quanto mais o pessimismo se acumula nos vértices longos, maior o potencial de ganho em caso de reversão – mas, como em toda mola, é preciso atenção ao timing e aos sinais do mercado, pois uma ruptura pode também liberar energia de forma abrupta e dolorosa.
Se há algo que aprendi após anos acompanhando a dança entre os mercados de juros e ações, é que a curva de DI raramente grita sem motivo. Ela sussurra antes, e só depois os gritos aparecem nos outros ativos. Que tal, então, ouvir o que ela está tentando dizer — antes que o resto do mercado acorde para o mesmo sinal?
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