Juros Futuros Aceleram Ajuste Fiscal: Curva DI Sinaliza Oportunidades para Estratégias de Renda Fixa
O fechamento sincronizado da curva de juros com o otimismo fiscal e o vento favorável do exterior revela sinais estratégicos para navegar o cenário da renda fixa. Descubra como interpretar o movimento dos DIs e ajustar sua abordagem diante de um mercado que precifica mais austeridade do que aumento de impostos.
O pregão desta quarta-feira trouxe um daqueles momentos raros em que tudo parece se alinhar: os principais contratos de juros futuros fecharam em queda nos vértices intermediários e longos, com destaque para o DI out/2027, que recuou 44 pontos-base (para 13,60%), seguido pelas baixas de 37 bps no DI out/2028 (13,42%) e de 33 bps no DI out/2029 (13,515%). O DI out/2026 também caiu expressivos 24 bps, enquanto o trecho curtíssimo (nov/2025) permaneceu praticamente estável (+1 bp). Não é comum ver tanto consenso entre os vértices da curva. Isso me fez lembrar de quando, anos atrás, um gestor experiente me disse: “Quando o mercado fecha em bloco, é como um coral afinado — mas nunca se esqueça de ouvir o tom de cada voz”. Hoje, a harmonia foi clara, mas o timbre do fiscal falou mais alto.
O pano de fundo foi uma conjunção positiva de fatores. Lá fora, a leve queda dos juros dos Treasuries — o US10Y fechou em 4,111%, recuando 1,2 bps — proporcionou um ambiente propício para o risco nos emergentes. Esse movimento de alívio externo não apenas reforçou, mas potencializou o otimismo com o fiscal doméstico. Internamente, o mercado precificou a possível derrota do governo na votação da MP 1.303 (que buscava novas receitas), interpretando que, sem os R$ 17 bilhões previstos, a pressão migraria para cortes de despesas, favorecendo a sustentabilidade fiscal no longo prazo. Essa leitura — de que “quanto pior politicamente para o governo, melhor para o fiscal” — impulsionou a queda dos prêmios de risco, especialmente nos vértices intermediários e longos da curva. É curioso notar como, mesmo diante de um revés na arrecadação, o mercado preferiu enxergar o copo meio cheio, apostando em mais austeridade e menos expansão de gastos.
Olhando para a inclinação da curva, a fotografia do dia é reveladora. Entre os vencimentos curtos (out/2026 vs. nov/2025), o spread ficou ainda mais negativo (-55,1 bps), ampliando em 3,6 bps a diferença — um flattening que sugere continuidade da postura monetária restritiva nas próximas reuniões do Copom, sem pressa para cortes abruptos. No trecho intermediário (out/2027 vs. out/2026), a inclinação também ficou mais negativa (-75,5 bps, queda de 2,5 bps), evidenciando que o mercado vê um ciclo de cortes de juros mais gradual, no compasso de uma inflação ainda resiliente, mas com prêmio fiscal em queda. Já no extremo longo (out/2029 vs. out/2028), o spread aumentou levemente para +9,5 bps, um pequeno steepening que indica um respiro nos prêmios de risco de longo prazo — talvez reflexo do otimismo local, mas também de uma dose de cautela estrutural. No consolidado, a curva apresenta uma forma suavemente normal, mas com uma “barriga” mais achatada nos intermediários, sinalizando que o grosso do ajuste fiscal está sendo precificado justamente nesse trecho. A ausência de divergências entre fatores internos e externos — com ativos locais e estrangeiros em sintonia — só fortaleceu esse movimento.
O movimento de hoje se encaixa perfeitamente na moldura de um Banco Central cuja sinalização contracionista, embora firme, não impediu que a curva DI reagisse com mais intensidade ao tema fiscal. A queda das taxas intermediárias e longas, mesmo diante de uma postura hawkish, sugere que o mercado confia mais na disciplina imposta pelo Congresso (através do “freio de mão” nas despesas) do que em qualquer flexibilização prematura da Selic. Se esse cenário de busca por austeridade persistir, é provável que vejamos o prêmio de risco fiscal continuar em declínio, abrindo espaço para um flattening ainda maior da curva nos próximos meses. No entanto, se houver reversão no ambiente político ou deterioração do quadro externo, o movimento pode ser rapidamente revertido, principalmente nos prazos mais longos. Vale lembrar que esse tipo de harmonia entre fatores é a exceção, não a regra; basta um novo ruído fiscal ou uma virada nos Treasuries para que a música mude de tom.
Diante desse quadro, a estratégia de alocação que considero mais didática hoje é ancorada na dinâmica da inclinação da curva — especialmente o flattening observado nos vértices intermediários e a leve abertura nos longos. Em cenários assim, uma abordagem conhecida como “barbell” (estratégia de barra) pode ser particularmente eficaz: concentrar uma fatia relevante do portfólio em títulos pós-fixados de curtíssimo prazo (Tesouro Selic ou CDBs DI), que continuam a pagar juros elevados com baixo risco, e uma parcela menor em títulos prefixados ou atrelados à inflação com vencimentos mais longos (Tesouro Prefixado 2029 ou Tesouro IPCA+ 2030/2035), que ainda carregam um prêmio de risco estrutural interessante, caso o ajuste fiscal se consolide. O racional é simples: se o flattening persistir e a visão de austeridade se materializar, os longos podem entregar retornos acima da média; se houver reversão, os pós-fixados curtos protegem o capital. Para investidores com perfil mais tático, observar a confluência entre o recuo do risco Brasil e a harmonia com o cenário externo pode ser o sinal para ajustar as proporções da barra, aproveitando janelas de entrada nos prefixados sempre que o prêmio “esticar” além do razoável.
Como em toda jornada de mercado, a curva de juros de hoje lembra que nem sempre o caminho mais óbvio é o mais seguro — e que, às vezes, é o ruído do Congresso que dita o compasso do portfólio. Antes de escolher sua estratégia, vale perguntar: sua carteira está afinada com o tom do fiscal ou está apenas seguindo a batida da Selic? De tempos em tempos, é no silêncio entre os acordes que surgem as melhores oportunidades.
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