Ibovespa fecha em alta forte e desafia o ceticismo global: como o “risco Brasil” se virou do avesso no radar dos investimentos
No pregão de hoje, o Ibovespa renovou máximas históricas em meio a fluxo comprador de peso, ignorando a cautela em Wall Street e reforçando o papel das narrativas locais na dinâmica dos investimentos. Entenda o que moveu o índice, por que o otimismo pode ser mais frágil do que parece e como navegar por esse novo cenário.
O Ibovespa encerrou esta terça-feira, 23 de setembro, em 146.425 pontos, com alta de 0,91% no dia, após abrir em 145.112 e atingir máxima em 147.178. O volume negociado foi robusto, alcançando R$ 20,62 bilhões, em mais um pregão marcado por forte tendência de alta em todos os prazos relevantes (diário, semanal e mensal). Esse desempenho não só ampliou a sequência de recordes recentes, como também traduziu um apetite renovado por ativos brasileiros — sentimento alimentado, em boa parte, pela expectativa de uma reaproximação política entre Brasil e Estados Unidos. Aqui vale compartilhar uma breve lembrança pessoal: já vivi outros momentos em que o “risco Brasil” parecia insuperável, apenas para, dias depois, ver o fluxo estrangeiro virar a maré de modo quase abrupto. Hoje, a sensação de déjà vu se impõe — mas, como toda boa história de mercado, o enredo nunca é exatamente igual ao anterior.
Por trás desse avanço, dois vetores se destacam. Externamente, o discurso do presidente do Fed, Jerome Powell, sinalizando desaceleração econômica e incertezas sobre o emprego nos EUA, reforçou expectativas de cortes de juros à frente. Isso provocou queda nos yields dos Treasuries e pressionou o dólar globalmente, cenário que costuma favorecer países emergentes como o Brasil. Esse pano de fundo abriu espaço para um fluxo estrangeiro mais agressivo em busca de retornos diferenciados, especialmente diante da menor atratividade das taxas americanas no curto prazo. Internamente, a notícia de uma aproximação diplomática entre os presidentes Lula e Trump — com direito a promessa de reunião bilateral e elogios públicos — foi interpretada como um alívio imediato ao risco político e comercial. O efeito foi uma redução do prêmio de risco exigido nos ativos locais, impulsionando principalmente as blue chips e setores atrelados à exportação.
Do ponto de vista técnico, o Ibovespa se mantém em trajetória fortemente ascendente, com sinais de “momentum” robusto em múltiplos horizontes. O cruzamento das médias móveis e indicadores de força relativa (RSI, MACD) confirma o predomínio da tendência compradora, sugerindo continuidade do movimento de alta. No entanto, o detalhe mais relevante do dia é a divergência entre o Ibovespa e as bolsas norte-americanas, que fecharam em queda mesmo diante do alívio nos juros. Além disso, a Vale (VALE3), tradicional termômetro do índice e do sentimento global, recuou 0,57%, penalizada por uma queda do minério de ferro na China. Isso revela que, apesar do otimismo local, a alta do índice foi desproporcionalmente sustentada por fatores domésticos e por fluxo estrangeiro específico — e não por um consenso global de apetite ao risco. Essa assimetria de movimentos costuma ser um sinal de alerta: quando o Ibovespa sobe isoladamente, o risco de reversão súbita ou de realização parcial tende a aumentar, especialmente se faltar confirmação externa.
Olhando para frente, não posso deixar de perguntar: até onde esse otimismo local pode ir sem o respaldo do cenário global? O investidor atento percebe que, em fases de desaceleração econômica e inflação resistente, o risco de surpresas negativas segue no radar. A curva de juros mostra um mercado dividido: enquanto o curto prazo ainda embute um prêmio de cautela, os vencimentos longos revelam certo otimismo com a possibilidade de distensão política e queda de riscos externos. Se a aproximação diplomática entre Brasil e EUA se materializar em acordos concretos — e, principalmente, se o apetite ao risco global se mantiver —, o Ibovespa poderá buscar novas máximas. Por outro lado, se o fluxo estrangeiro perder força ou se eventos globais adversos ganharem tração, poderemos ver uma realização de lucros rápida ou até uma reversão parcial do movimento. O VXBR, índice de volatilidade local, permaneceu estável e em patamar confortável (15,06), sugerindo um ambiente de risco sob controle — mas isso pode mudar rapidamente se o vento mudar lá fora.
Em termos de alocação inteligente, o cenário de hoje convida à reflexão sobre o timing e a composição da carteira. O fato de o índice ter subido à revelia dos principais mercados globais e com uma de suas maiores ações em queda sugere uma oportunidade assimétrica para investidores que buscam antecipar possíveis ajustes. Uma abordagem tática pode ser calibrar gradualmente a exposição, reduzindo o peso em ações de maior correlação internacional (como commodities) e privilegiando setores que se beneficiam de fluxo interno ou de melhora do risco Brasil, como bancos, empresas de infraestrutura e consumo doméstico. Ao mesmo tempo, manter uma parcela da carteira em ativos dolarizados ou de perfil defensivo (como utilities e exportadoras de alimentos) pode funcionar como proteção caso o otimismo local não se confirme. Em ambientes de volatilidade contida, é tentador ampliar apostas em direcionalidade, mas a divergência com o exterior e o peso do fluxo sugerem cautela redobrada: uma estratégia de “barbell”, equilibrando apostas de crescimento local com proteção internacional, pode capturar o melhor de ambos os mundos — e limitar perdas no caso de uma reversão inesperada.
Se existe uma lição recorrente nos mercados, é a de que os maiores riscos nem sempre vêm de onde todos olham. O investidor mais bem-sucedido é aquele que, diante do otimismo consensual, se pergunta: “E se algo sair do script?” Em dias como hoje, a verdadeira vantagem está em preparar o bote antes da correnteza mudar.
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