Dólar fecha em queda forte, testa suporte e acende alerta para decisão de juros: como o fluxo pode virar o jogo no mercado de câmbio
O fechamento do dólar nesta segunda-feira trouxe não só um recado claro sobre o apetite do mercado por risco, mas também um convite à reflexão sobre o delicado equilíbrio que sustenta a moeda e os investimentos. A leitura deste pregão oferece àqueles atentos a dinâmica do câmbio uma oportunidade rara de enxergar além do preço do dia e antecipar cenários — principalmente quando o mercado parece hipnotizado por eventos que ainda nem aconteceram.
O dia termina com o dólar cotado a R$ 5,3203, marcando uma queda de 0,65% e renovando seu menor nível em mais de um ano. O movimento foi consistente: abertura em R$ 5,3514, máxima em R$ 5,3405 e mínima em R$ 5,3065. O grande “sinal” do pregão foi o teste de um suporte técnico relevante, logo abaixo de R$ 5,32. Em minha experiência, dias assim costumam ser menos sobre o que já se sabe e mais sobre o que está prestes a emergir — como se o mercado prendesse a respiração à espera do próximo capítulo. Lembro de uma ocasião, anos atrás, em que o real também surfava o diferencial de juros, enquanto o noticiário fiscal persistia no radar apenas como um ruído de fundo. O segredo nesses momentos está em saber distinguir entre o que é barulho e o que é fundamento.
O pano de fundo da sessão foi, claramente, o otimismo alimentado por fatores externos e internos. De fora, a expectativa de redução dos juros nos EUA diminuiu a atratividade dos títulos americanos, favorecendo operações de “carry trade” para mercados como o Brasil, onde a Selic está em 15%. Esse fluxo de capital reforçou a valorização do real, elevando a oferta de dólares e pressionando a cotação para baixo. Internamente, o mercado opera quase em compasso de espera: a decisão do Copom na quarta-feira, com forte probabilidade de manutenção dos juros em 15%, tende a manter o diferencial de juros elevado, o que segue impulsionando o fluxo estrangeiro e amparando o real. Esse dueto de fatores reforçou o movimento de baixa do dólar, que somente encontra alguma oposição nos ruídos fiscais domésticos. O pedido do presidente Lula para estudar a redução ou extinção da tarifa de ônibus, embora tenha passado em segundo plano, permanece como uma sombra no radar, lembrando que a confiança no Brasil nunca é blindada.
A leitura técnica do dia não deixa margem para dúvidas quanto ao viés predominante: a moeda encerrou em forte tendência de baixa nos prazos diário, semanal e mensal, conforme apontam médias móveis e indicadores como RSI e MACD. O cruzamento desses sinais, acompanhado pela queda do DXY (-0,23%, fechando em 97,32), sugere que o ambiente externo também contribui para o clima favorável ao real. O detalhe mais intrigante, porém, foi a reação comedida do mercado aos ruídos fiscais. O fato de a moeda não ter reagido de forma expressiva à notícia sobre tarifas de transporte indica que, ao menos por ora, o fluxo de capital e a expectativa pela chamada “Super Quarta” têm maior peso do que as incertezas locais. Esse aparente desinteresse pode ser um sinal oculto de que o mercado, no fundo, se prepara para mudanças rápidas de direção caso o cenário mude.
Quando olho para o cenário de hoje, não consigo evitar a comparação com um cabo de guerra: de um lado, forças externas empurram o dólar para baixo com promessas de juros baixos no exterior e capital migrando para cá; do outro, as fragilidades fiscais e políticas domésticas se mantêm, por ora, adormecidas, mas prontas para puxar a corda de volta se houver um gatilho. O comportamento do DXY aponta para um mundo em relativa normalidade, sem grandes sustos no apetite global por risco, mas tudo isso pode virar de cabeça para baixo caso a comunicação do Fed surpreenda ou o Copom sinalize cortes mais rápidos na Selic. Se as decisões de quarta-feira confirmarem o cenário esperado, é provável que o dólar consolide níveis ainda mais baixos. Mas qualquer surpresa — seja uma postura "hawkish" do Fed, seja uma guinada do Banco Central brasileiro — pode inverter rapidamente a direção. O pregão de hoje, portanto, parece mais uma confirmação do regime vigente do que uma ruptura, mas a falta de reação a riscos domésticos é um lembrete de que, por vezes, o mercado só enxerga o iceberg quando já está muito perto.
Para quem busca alinhar sua estratégia de alocação, os sinais do dia mostram a importância de calibrar a exposição a ativos sensíveis ao câmbio com atenção ao detalhe técnico. O teste do suporte em R$ 5,32, aliado à tendência de baixa em todos os prazos, sugere que ativos ligados à importação — como empresas que se beneficiam do dólar mais fraco (varejo, aéreas, construtoras) — podem ganhar fôlego adicional caso a tendência persista. Por outro lado, exportadoras e setores cuja receita depende fortemente do dólar (commodities, papel e celulose, proteínas) tendem a ver suas margens pressionadas. O investidor estratégico pode considerar um ajuste tático na carteira, reduzindo um pouco a exposição cambial direta e buscando ativos que se beneficiam de um real mais forte, mas mantendo sempre algum tipo de proteção, especialmente diante dos riscos fiscais que, embora ignorados hoje, podem voltar ao centro das atenções rapidamente. Em momentos de suporte técnico relevante, também faz sentido pensar em instrumentos de hedge, como opções, para aproveitar eventuais reversões surpresa — afinal, o mercado costuma premiar quem antecipa o inesperado com prudência.
No fim das contas, navegar pelo mercado de câmbio exige mais do que seguir o fluxo; é preciso escutar o ruído, reconhecer os silêncios e, acima de tudo, manter a disciplina de pensar de forma independente. Afinal, toda calmaria no mercado esconde um potencial de tempestade — e a melhor bússola é sempre o olhar crítico sobre aquilo que a maioria prefere não enxergar.
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