Dólar fecha em leve baixa e revela força do risco local: por que o câmbio brasileiro ficou para trás mesmo com otimismo global
No fechamento desta quarta-feira, o mercado de câmbio brasileiro mostrou que, mesmo em dias de céu azul para o risco global, a moeda local pode ficar presa ao solo pesado das incertezas domésticas. Entender essa dinâmica é essencial para quem busca navegar com estratégia em meio às ondas do dólar.
O dólar encerrou o dia cotado a 5,3410, recuando 0,11%. O movimento foi discreto: a moeda abriu em 5,3505, atingiu máxima de 5,3577 e mínima de 5,3245. Apesar do leve recuo, a tendência diária ficou neutra, já que o alívio foi modesto perto do observado em outros emergentes, enquanto a tendência semanal ainda aponta para queda acentuada e a mensal também sugere viés negativo. O que chama atenção – e talvez intrigue quem acompanha o câmbio de perto – foi a incapacidade do real de acompanhar a valorização de pares como peso mexicano e chileno, mesmo com o Ibovespa em alta e o apetite global por risco renovado após a ata do Federal Reserve. Essa discrepância entre o comportamento do real e a festa dos mercados globais joga luz sobre um tema recorrente no Brasil: o prêmio de risco fiscal. Lembro-me de uma conversa recente com um gestor estrangeiro que, ao resumir nossa moeda, disse: “o real é como um balão amarrado ao Congresso; pode até querer subir, mas não vai longe se não cortarem a corda da incerteza fiscal”.
O pano de fundo internacional trouxe certo alívio: a ata do Fed mostrou dirigentes divididos, mas a maioria admitiu espaço para afrouxar juros ainda em 2025 – notícia bem recebida pelas bolsas americanas, com S&P 500 e Nasdaq em alta. Curiosamente, o índice DXY subiu 0,29%, refletindo que, mesmo diante de expectativas de juros mais baixos, o dólar manteve seu apelo global. No Brasil, porém, a atenção esteve voltada para a Medida Provisória 1.303, essencial para a arrecadação do governo e sua sobrevivência fiscal. Com o risco de a MP caducar caso não fosse votada, a liquidez minguou e a cautela subiu, limitando a queda do dólar. Assim, o real não só ficou para trás em relação a outros emergentes, como também ficou vulnerável à volatilidade proveniente do cenário político doméstico.
Do ponto de vista técnico, a configuração do dia foi marcada por uma neutralidade de curto prazo, com viés de baixa mantido nos prazos mais longos. A divergência mais notável foi a diferença entre narrativa e preço: enquanto o mundo celebrava o risco e as moedas emergentes se valorizavam, o real praticamente ficou estático, mostrando que o prêmio de risco local – alimentado pela incerteza em torno da MP e do ajuste fiscal – foi dominante. Esta é uma típica "divergência entre ativos correlacionados": em condições normais, o real teria se fortalecido mais, acompanhando o otimismo global, mas o risco doméstico freou essa movimentação. Essa divergência é relevante porque sinaliza que, no atual regime, o Brasil depende mais do próprio noticiário político do que dos ventos internacionais favoráveis.
Hoje, penso no câmbio como um cabo de guerra: de um lado, o otimismo global, puxando o real para cima; do outro, a incerteza fiscal doméstica, puxando para baixo. O movimento de hoje sugere que, enquanto o nó fiscal não for desatado, o dólar tende a encontrar um piso, mesmo em mares calmos lá fora. O DXY em alta reforça que o apetite global por dólar não desapareceu, mas o real performou pior que os pares, evidenciando que a tensão entre fatores internos e externos foi o motor central do pregão. Se a resolução fiscal avançar, poderíamos ver o real finalmente aproveitar o vento internacional favorável. Mas, caso persista a incerteza, o câmbio pode continuar insensível a notícias positivas do exterior, ficando vulnerável a choques negativos inesperados. O dia de hoje não foi uma ruptura, mas uma confirmação do regime vigente: o real só vai mais longe se o risco fiscal diminuir.
Para investidores e gestores, a abordagem que me parece mais didática é ancorar a estratégia no desempenho relativo entre o dólar global (DXY) e o USD/BRL. Quando o DXY sobe, mas o real não enfraquece na mesma proporção – ou, como hoje, mostra resiliência apenas aparente –, é um sinal de que o prêmio de risco local está distorcendo o jogo. Uma abordagem tática para os próximos dias seria monitorar se essa "defasagem" persiste: caso o real volte a acompanhar seus pares emergentes, pode haver espaço para uma queda mais expressiva do dólar aqui. Por outro lado, se o risco fiscal seguir elevado, o câmbio pode buscar estabilidade ou até repique, independentemente do DXY. Para quem opera com horizontes curtos, a confluência entre o prêmio de risco local e o comportamento do DXY pode servir de termômetro para ajustar posições, seja via proteção cambial, seja explorando oportunidades em setores sensíveis ao dólar, como exportadores (que se beneficiam do dólar alto) e importadores (que lucram com a valorização do real).
No fim, o mercado de câmbio brasileiro se assemelha a uma ponte suspensa sobre um rio caudaloso: a travessia pode ser tranquila quando os cabos estão firmes, mas qualquer dúvida sobre a solidez das amarras internas faz a travessia balançar. Olhar além do noticiário e entender onde estão as verdadeiras forças – internas e externas – pode ser a diferença entre atravessar seguro ou ser pego de surpresa pela correnteza. Afinal, no câmbio, o que parece parado raramente está em equilíbrio – e quem lê as entrelinhas pode encontrar o fio condutor para se antecipar ao próximo movimento.
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