Curva de Juros Futuros: O Cabo de Guerra Entre Selic Cautelosa e Alívio Externo Redesenha Oportunidades em Renda Fixa
O movimento oposto nas pontas curta e longa da curva DI revela os sinais de um mercado dividido entre pressões domésticas e o vento favorável vindo do exterior. Descubra como esse cenário pode impactar sua estratégia em renda fixa.
Hoje, a sessão dos juros futuros foi marcada por uma dança assimétrica que chamou a atenção de quem acompanha a renda fixa de perto. Enquanto o vencimento de out/2026 avançou 31 pontos-base, os vértices intermediários e longos recuaram de forma expressiva: out/2027 caiu 7 pontos, e os papéis mais longos — out/2028 e out/2029 — recuaram 30 e 34 pontos-base, respectivamente. A ponta curta (out/2025) ficou praticamente estável, levemente negativa. O resultado é uma curva que se achatou, evidenciando a disputa entre fatores domésticos e externos. Esse tipo de cenário me faz lembrar dos dias de 2008, quando, em meio a sinais ambíguos, o otimismo com o cenário global levou muitos a ignorar alertas locais — um lembrete valioso de que a curva de juros frequentemente revela mais do que aparenta à primeira vista.
O pano de fundo desse pregão foi uma conjunção de forças. Externamente, a queda inesperada do PPI americano provocou forte recuo nos yields dos Treasuries, efeito que se transmitiu para a curva brasileira especialmente nos vértices mais longos, onde a sensibilidade ao ambiente global é maior. Esse alívio externo reduziu os prêmios exigidos para carregar títulos públicos de prazo mais longo, sugerindo que parte do mercado já precifica um ciclo de aperto monetário nos EUA próximo do fim — ou até uma reversão no horizonte. Internamente, porém, o tom foi mais cauteloso. Apesar da deflação do IPCA, o índice veio acima do piso das projeções, com pressão persistente notada nos serviços. Isso contribuiu para a elevação das taxas dos DIs mais curtos no início do dia, refletindo a expectativa de que o Banco Central brasileiro não deve iniciar cortes na Selic tão cedo quanto alguns poderiam desejar.
Do ponto de vista técnico, a inclinação da curva exibiu nuances interessantes. No curto prazo, o spread entre out/2026 e out/2025 ficou menos negativo, passando de -65,5 para -60,9 pontos-base — um leve "steepening" que sugere manutenção das taxas elevadas por mais tempo, à medida que o mercado ajusta para cima a probabilidade de o BC manter a Selic estável nas próximas reuniões. No médio prazo, a inclinação entre out/2027 e out/2026 acentuou sua negatividade, de -82,0 para -87,5 pontos-base, um "flattening" típico de cenário em que se reconhece a dificuldade de iniciar cortes, mas ainda se vislumbra algum alívio adiante, condicionado a melhorias no quadro inflacionário. Já o longo prazo (out/2029 – out/2028) mostrou uma ligeira redução do spread, de +9,5 para +9,0 pontos-base, reforçando a ideia de menor prêmio de risco para títulos longos, na esteira do recuo dos Treasuries. No todo, a curva do dia se apresenta chata, com leve inclinação negativa no médio prazo e achatamento da ponta longa, um desenho que sinaliza incerteza tática e divergência de narrativas entre o que ocorre aqui e lá fora.
Essa divergência — entre curto e longo prazo — é, na minha visão, um retrato fiel da tensão entre uma política monetária doméstica ainda restritiva e as incertezas fiscais persistentes, de um lado, e o alívio episódico vindo do exterior, de outro. O movimento de hoje, longe de ser um endosso pleno à trajetória da Selic, expôs um dilema para o Banco Central: de um lado, a cautela diante de uma inflação de serviços que não cede como esperado; de outro, a pressão dos mercados globais por uma postura menos dura no futuro. O mercado, nesse contexto, parece precificar que cortes de juros só serão viáveis caso o cenário externo siga favorável e os dados domésticos permitam, o que ainda carece de confirmação mais robusta. Se o alívio nos Treasuries persistir e houver sinais de moderação inflacionária local, poderíamos ver a curva longa ceder ainda mais, abrindo espaço para uma reprecificação positiva dos títulos de duration elevada. Por outro lado, qualquer surpresa negativa nos preços internos ou um revés fiscal pode reverter rapidamente o movimento, pressionando de volta os prêmios de risco.
Diante desse cenário técnico-macroeconômico, é fundamental pensar em alocação com base na forma da curva observada hoje. O achatamento da curva, com a ponta curta ancorada e a longa cedendo, é um convite à análise estratégica: para investidores que buscam proteção e previsibilidade, os títulos pós-fixados (ex: Tesouro Selic ou CDBs de liquidez diária) continuam sendo o porto seguro, aproveitando o carrego elevado da Selic enquanto o BC permanece vigilante. Para quem tolera mais volatilidade e acredita na continuidade do alívio externo, os títulos prefixados longos (Tesouro Prefixado 2027+ ou NTN-F) podem ganhar atratividade, já que o movimento de hoje sugere que o prêmio nesses vértices pode continuar recuando caso o cenário global colabore. Já os títulos indexados à inflação (Tesouro IPCA+) servem de proteção caso a inflação doméstica volte a surpreender negativamente, algo que os dados de hoje não permitem descartar. Em cenários de curva achatada como este, uma abordagem "barbell" — combinando posição relevante em pós-fixados curtos com uma fatia pequena, porém estratégica, em títulos longos — pode fazer sentido para quem busca equilíbrio entre segurança e oportunidade, sempre dentro do seu perfil de risco.
Ao final do dia, o recado da curva é claro: navegar pelo atual cabo de guerra exige atenção redobrada aos sinais do ambiente externo e ainda mais disciplina para não subestimar os desafios locais. Decisões de investimento devem ser sempre tomadas com base no seu perfil de risco e objetivos financeiros. E, especialmente para quem está começando ou se sente inseguro, buscar orientação de um profissional qualificado é fundamental para transformar informação em estratégia, e não apenas em ansiedade.
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