Curva de Juros Futuros: O Alinhamento Raro que Favorece Títulos Prefixados e Atrelados à Inflação
Quando fatores internos e externos convergem, a curva DI responde com força — e o investidor atento pode encontrar oportunidades assimétricas em renda fixa de longo prazo.
O fechamento do mercado de juros futuros nesta sexta-feira trouxe aquele tipo de cenário que até quem acompanha o pregão diariamente estranha: as taxas dos DIs longos e intermediários despencaram, enquanto o DI curto andou na direção oposta, com leve alta. O DI para novembro de 2025 fechou em 14,913% (+9 bps), mas a reviravolta esteve mesmo nos vértices intermediários e longos: DI2026 recuou para 14,175% (-39 bps), DI2027 caiu para 13,26% (-72 bps), DI2028 acelerou para 13,08% (-84 bps) e, na ponta mais esticada, o DI2029 desabou para 13,185% (-87 bps). Esse movimento sincronizado — queda intensa nos vencimentos mais distantes e ajuste nos mais curtos — foi acompanhado por um Ibovespa renovando máxima histórica e um dólar estável. Para quem já viu de tudo, parece cena de cinema: é raro ver todos os astros se alinharem tão claramente em favor do Brasil.
Não é exagero dizer que o pano de fundo global foi o grande motor do dia. A decisão do Federal Reserve de encerrar o aperto quantitativo em dezembro e as declarações de membros do Fed sobre riscos no mercado de trabalho deflagraram um poderoso rali nos Treasuries americanos, com impacto imediato nas taxas globais de referência. Esse movimento baixista nos juros globais tende a ‘puxar’ para baixo as taxas locais, principalmente na parte longa da curva DI, onde o capital estrangeiro é mais atuante e sensível ao clima externo. Ao mesmo tempo, o dado do PNAD Contínua no Brasil — desemprego em 5,6%, levemente acima do esperado — reforçou a narrativa de desaceleração doméstica. O mercado leu esse desvio como espaço adicional para cortes de juros futuros, abrindo a porteira para um ciclo de afrouxamento monetário mais agressivo, embora sem pressa para iniciar já em janeiro. O resultado foi uma queda generalizada nas taxas longas e médias, com o curto prazo ainda ajustando expectativas para o timing do início do ciclo.
Olhando tecnicamente para a inclinação da curva, o dia foi de acentuado flattening (achatamento). No curto prazo, o spread entre DI2026 e DI2025 ampliou o patamar negativo para -73,8 bps, intensificando em -6,8 bps o achatamento. Isso sugere que o mercado ainda vê um hiato, talvez um compasso de espera do Banco Central para iniciar cortes, mas já precifica uma trajetória de queda firme adiante — o que, por si só, desmonta a expectativa de cortes muito rápidos já de saída. No trecho intermediário (DI2027-DI2026), a inclinação caiu para -91,5 bps, achatando mais 4 bps: aqui, a mensagem é de confiança crescente em um ciclo de cortes prolongado, com o prêmio inflacionário a médio prazo cedendo espaço a uma visão mais construtiva. Na parte longa (DI2029-DI2028), o spread caiu levemente para +10,5 bps, uma diminuição discreta, sugerindo que o prêmio de risco estrutural e fiscal segue presente, mas não se agravou — um detalhe relevante, pois reforça a leitura de que o fluxo externo trouxe alívio, mas não removeu as incertezas de fundo. A curva do dia, portanto, se assemelha a uma “curva com barriga”, com um achatamento pronunciado dos vértices intermediários e longos, típico de momentos em que o mercado antecipa afrouxamento monetário relevante, mas mantém alguma prudência nos extremos.
A resposta da curva, hoje, parece ter premiado a atuação do BC — ou talvez, mais honestamente, tenha dado à autoridade monetária uma rara trégua. O movimento amplo de fechamento das taxas intermediárias e longas, aliado à resiliência do real e à alta da bolsa, reforça a narrativa de que o BC ganhou espaço para calibrar cortes futuros sem que isso seja imediatamente penalizado pelo câmbio ou pelos ativos de risco. O mercado, ao reprecificar os DIs longos com tamanha intensidade, embute a expectativa de uma normalização acelerada da Selic ao longo de 2026, já projetando taxas de juros mais próximas ao juro estrutural do país. O prêmio de risco, que ainda persiste na parte longa, parece cada vez mais um resquício de cautela do que um sinal de estresse iminente. Se esse ambiente externo benigno persistir — queda dos Treasuries, apetite estrangeiro, inflação sob controle —, o Brasil pode ver sua curva de juros consolidar um novo patamar, com espaço para ganhos adicionais nos prefixados e atrelados à inflação. Por outro lado, uma eventual reversão do humor global, um novo choque de inflação ou deterioração fiscal ainda poderiam inverter rapidamente esse quadro, exigindo vigilância constante.
E onde mora a oportunidade didática do dia? O cenário de flattening acelerado da curva e a convergência entre fatores internos e externos me levam a ancorar a análise na própria dinâmica da inclinação — o famoso “play” do investidor de renda fixa atento ao formato da curva. Vamos ao quarteto estratégico: a tese, aqui, desafia a visão consensual de que o prêmio de risco brasileiro é sempre estrutural e que os títulos de longo prazo são eternamente arriscados. Com o movimento de hoje, sugere-se que parte desse prêmio já foi incorporada e começa a dar espaço a uma precificação mais próxima do ciclo global, onde os vértices longos podem capturar ganhos expressivos caso a confiança siga aumentando. A assimetria está no potencial de marcação a mercado: se as taxas longas seguirem em queda, o ganho de capital para quem comprar agora será substancialmente maior do que o risco de um novo estresse, dado que o movimento de compressão ainda não eliminou totalmente os prêmios. O gatilho para agir, neste contexto, seria a confirmação desse fechamento das taxas longas por mais um ou dois pregões — por exemplo, uma sequência de quedas que leve o DI2029 a romper significativamente abaixo de 13,00%. É o típico sinal de que o novo patamar está sendo internalizado pelo mercado, abrindo caminho para posicionamentos mais robustos em prefixados e Tesouro IPCA+ de prazo longo. A execução prática é simples e eficaz: para quem tem horizonte de meses ou anos, aumentar gradualmente a exposição em títulos Tesouro Prefixado 2029 ou Tesouro IPCA+ 2035/2045, aproveitando as taxas ainda elevadas antes que a janela se feche. Isso pode ser feito tanto via compra direta, quanto via fundos de renda fixa com duration longa. A proteção? Sempre necessária: se a curva longa voltar a abrir (por exemplo, se o DI2029 retornar para patamares acima de 13,5% ou houver um choque externo/fiscal inesperado), é hora de reavaliar a alocação, reduzindo a exposição para limitar possíveis perdas de marcação a mercado.
Em resumo, a assimetria vista hoje reside naquela rara janela em que o pessimismo com o Brasil já está embutido nos preços, mas o vento global sopra a favor — e quem trava taxas altas em ativos longos pode, se o cenário benigno persistir, colher frutos que o consenso ainda hesita em enxergar. O mercado não costuma entregar essas oportunidades de bandeja duas vezes.
No pregão de hoje, o alinhamento dos astros mostrou como, às vezes, o mercado é como uma orquestra: cada instrumento pode soar dissonante, mas basta um maestro improvável — hoje, o Fed — para tudo se harmonizar. A lição que fica é que, em finanças, a oportunidade rara quase nunca avisa antes de chegar; cabe a nós, atentos, ouvir a música que toca ao fundo e decidir se é hora de dançar ou de esperar mais um compasso.
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