Curva de Juros Futuros Fecha com Steepening: Sinal de Ceticismo Fiscal e Oportunidades Táticas em Renda Fixa
Entender a inclinação da curva de juros hoje vai além do jargão: é decifrar o quanto o mercado está disposto a confiar no futuro fiscal do Brasil. O pregão desta segunda-feira mostrou, de forma quase didática, como o stress externo e dúvidas internas podem redesenhar o mapa dos investimentos em renda fixa.
Começo pelo essencial: o fechamento dos principais vértices de DI trouxe uma fotografia clara do que foi o dia. O contrato DI para outubro de 2025 praticamente não se mexeu (-0,01%), enquanto os vencimentos mais longos subiram de maneira expressiva: outubro de 2026 (+0,28%), outubro de 2027 (+0,67%), outubro de 2028 (+0,72%) e outubro de 2029 (+1,01%). Essa abertura concentrada nos juros longos não é um mero detalhe: é o tipo de movimento que carrega uma mensagem implícita sobre o que realmente preocupa o investidor — e não é a Selic de hoje. Lembro de um gestor experiente, certa vez, me dizendo que “curva de juros não mente, mas costuma falar em código”. Hoje, o código foi um steepening clássico: a parte longa da curva disparou para cima, enquanto o curto prazo ficou ancorado.
O pano de fundo para essa reprecificação veio de fora e de dentro. Externamente, um evento raro: os EUA anunciaram sanções diretamente relacionadas ao cenário político brasileiro, afetando figuras públicas de alta relevância. Não é todo dia que se vê a esposa de um ministro do STF no centro de um ruído internacional — e, para o mercado, isso se traduz imediatamente em percepção de risco-país maior, elevando o prêmio exigido para carregar dívida pública. Internamente, a expectativa por uma semana carregada de eventos — ata do Copom e Relatório de Inflação — já deixava os investidores em compasso de espera. Mas o principal combustível veio do front fiscal: declarações de Haddad e do presidente da Câmara sobre temas sensíveis como arcabouço fiscal e isenção do IR só reforçaram a incerteza sobre o equilíbrio das contas públicas. O resultado foi um choque de desconfiança que se espalhou pela parte longa da curva.
Na análise técnica da curva, o destaque de hoje foi o steepening em todos os trechos. No curto prazo, o spread entre out/2026 e out/2025 ficou menos negativo, subindo 4,10 pontos-base, mas ainda em terreno invertido. Isso sugere que, para o horizonte das próximas reuniões do Copom, o mercado segue apostando em estabilidade da Selic — não houve repique de risco monetário imediato. No médio prazo, a inclinação entre out/2027 e out/2026 também ficou menos invertida (+5,0bps), reforçando a leitura de que, embora o ciclo básico de juros pareça ancorado, a dúvida sobre o ritmo de queda ou até mesmo sobre o “piso” dos juros começa a crescer. Já na parte longa, o spread entre out/2029 e out/2028 abriu 4,0bps para cima, consolidando o steepening. Aqui está o ponto-chave: a curva não apenas abriu, ela ficou mais inclinada, formando uma espécie de “barriga” elevada no longo prazo — um desenho que reflete prêmio de risco estrutural, típico de mercados que duvidam da capacidade do país de entregar ajuste fiscal nos próximos anos. A curva do dia, portanto, se assemelha a uma curva normal, mas com acentuação no steepening justamente onde a incerteza é mais corrosiva para a confiança.
Essa dinâmica revelou, de forma pouco sutil, uma tensão latente entre a política monetária — que permanece restritiva de forma deliberada — e o risco fiscal, que se tornou o protagonista do pregão. Não foi um dia em que o mercado passou a duvidar da autoridade do Banco Central sobre o curto prazo; ao contrário, a manutenção das expectativas para a Selic na próxima reunião foi praticamente absoluta. O que se viu foi um deslocamento do foco: o prêmio de risco exigido explodiu nos vértices mais longos, sugerindo que, caso o cenário de incerteza fiscal persista, a curva poderá continuar abrindo e exigindo ainda mais prêmio nos títulos longos. Se, por outro lado, surgirem sinais robustos de compromisso fiscal — seja via comunicação, seja via aprovação de medidas concretas —, há espaço para um fechamento rápido desses vértices, com potencial de ganho expressivo para quem souber dosar o risco.
No contexto atual, a abordagem de alocação mais inteligente é aquela que parte da própria forma da curva: o steepening favorece estratégias do tipo “barbell”. No lado defensivo, títulos pós-fixados curtos (Tesouro Selic ou CDB) continuam sendo a fortaleza para quem prioriza liquidez e proteção, aproveitando o carrego de juros elevados enquanto o curto prazo permanece blindado. Já para o investidor mais arrojado — aquele que entende o risco e sabe calibrar exposição —, a parte longa da curva começa a oferecer prêmios que não se viam há algum tempo. Títulos prefixados longos ou NTN-F, por exemplo, podem ser considerados em posições táticas e calibradas: se o cenário fiscal melhorar, a compressão dos spreads pode trazer ganhos substanciais. Mas é fundamental lembrar que, em ambientes de steepening por estresse, a volatilidade é alta e o risco de marcação a mercado negativo existe — por isso, posições devem ser proporcionais ao apetite de risco e à possibilidade de carregar até o vencimento, se necessário. Para perfis moderados, uma diversificação entre pós-fixados e uma pequena fatia em IPCA+ longos pode ser uma estratégia de equilíbrio, protegendo contra choques de inflação ou deterioração fiscal.
O pregão de hoje serviu como lembrete de que, em mercados de incerteza, a curva de juros é como uma estrada que revela não só o caminho à frente, mas também os buracos e desvios à espreita. O investidor atento não tenta adivinhar o próximo movimento, mas observa os sinais do asfalto e ajusta a velocidade. Afinal, quem dirige olhando só para o retrovisor pode se surpreender com a próxima curva.
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