Juros Futuros Sobem Apesar do Fed: Curva de DI Pressiona Banco Central e Renda Fixa Entra em Alerta
Mesmo com alívio do Fed, curva de juros brasileira desafia expectativas e exige nova leitura estratégica para alocação em renda fixa.
O fechamento dos contratos de DI nesta quinta-feira foi um daqueles momentos em que a curva parece contar duas histórias ao mesmo tempo: de um lado, a influência externa sugeria trégua, com o Fed acenando de maneira mais branda; do outro, a força do risco doméstico foi suficiente para inverter esse impulso e empurrar as taxas para cima. Os principais vencimentos do DI subiram: out/2026 fechou em 14,28% (+0,35%), out/2027 em 13,385% (+0,34%), out/2028 em 13,12% (+0,34%), e out/2029 em 13,15% (+0,15%). Apenas o contrato mais curto, out/2025, ficou estável em 14,902%. O que chamou atenção foi o tom do mercado: mesmo com um ambiente internacional mais leve, a curva local trouxe um recado duro — é como se dissesse, sem rodeios, que não basta boa vontade do exterior quando o pano de fundo fiscal e monetário interno não inspira confiança.
Essa inversão de expectativas ficou ainda mais nítida após o comunicado do Copom, que esfriou qualquer esperança de corte da Selic no curto prazo, e foi reforçada pelo relatório da IFI ao expor a fragilidade das contas públicas. O resultado foi um ajuste rápido: o mercado eliminou qualquer "prêmio de otimismo" dos vértices curtos e adicionou gordura nos mais longos. O curioso é que, apesar do estresse, o movimento foi moderado — talvez porque, no fundo, ainda exista uma crença parcial de que a inflação pode convergir mais adiante, caso algum choque de responsabilidade fiscal finalmente chegue. Eu me lembro de uma passagem marcante de 2015, quando, em meio à turbulência fiscal, vi gestores sêniores se moverem rapidamente para proteger o patrimônio — não por medo, mas porque aprenderam a ler o "subtexto" da curva. Hoje, o mercado parece estar lendo esse subtexto em voz alta.
Olhando para os fatores de fora, seria natural esperar algum alívio. Um Fed mais suave costuma aliviar as condições financeiras globais e, por tabela, permitir que mercados emergentes como o Brasil recebam algum fôlego. Desta vez, porém, a força do cenário interno foi tão marcante que abafou qualquer impulso positivo vindo de fora. O ajuste fiscal e a credibilidade da política monetária voltaram ao centro do palco, com o risco doméstico pesando mais que o vento internacional.
Tecnicamente, a inclinação no curto prazo (out/2026 - out/2025) diminuiu seu grau de negatividade, subindo 5 bps — um leve "steepening" que sugere menor apetite para cortes imediatos e um ajuste de expectativa para manutenção da Selic. No médio prazo, a inclinação se manteve quase estável (-0,5 bps), sinalizando que o mercado não vê grandes surpresas na trajetória intermediária dos juros, mas ainda exige prêmio para navegar a incerteza fiscal. Já a parte longa da curva (out/2029 - out/2028) mostrou um achatamento de -2,5 bps, o que indica que, apesar da alta das taxas, o prêmio de risco adicional para o horizonte mais distante não avançou tanto quanto se poderia esperar em um cenário de deterioração fiscal aguda. Ao juntar todas as peças, a curva do dia ganhou um formato de "barriga" — taxas altas no curto e médio prazo, mas sem um calombo pronunciado nos vértices mais longos. Isso sugere que o mercado, ao mesmo tempo em que exige prêmio, ainda não está pronto para apostar em uma crise fiscal fora de controle — pelo menos não ainda.
A abertura dos vértices longos, mesmo diante do esforço do Banco Central para conter as expectativas, sinaliza um dilema cada vez mais nítido: como equilibrar o combate à inflação com a necessidade de responder a um risco fiscal persistente? A leitura que se impõe é de um mercado que, embora não descarte a convergência inflacionária no longo prazo, está exigindo uma taxa real mais elevada como seguro. Se o ambiente fiscal continuar pressionado, poderemos ver a curva empinar ainda mais, elevando o custo de financiamento do Tesouro e, por tabela, de toda a economia. Por outro lado, caso haja uma sinalização consistente de ajuste e compromisso com a âncora fiscal, o prêmio pode começar a ceder nos vértices longos, abrindo espaço para movimentos táticos de fechamento de curva. Assim, o jogo segue aberto — e, como sempre, o risco de assimetria permanece presente.
No contexto atual, a abordagem de alocação em renda fixa precisa ser especialmente criteriosa. O formato da curva, com uma "barriga" e taxas persistentemente elevadas do curto ao médio prazo, sugere que os pós-fixados (Tesouro Selic, CDBs DI) continuam sendo o porto seguro para quem busca estabilidade e carrego atrativo enquanto o cenário não se define. Para quem tolera mais volatilidade e busca oportunidades, os prefixados longos (Tesouro Prefixado 2027+) oferecem uma assimetria interessante: se, e apenas se, o risco fiscal for endereçado, há espaço para ganho de capital relevante. Já os títulos atrelados à inflação (Tesouro IPCA+) funcionam como um escudo caso a convergência inflacionária tarde a se materializar. Em um ambiente onde o prêmio de risco é elevado, variar o mix entre pós-fixados e uma parcela tática de prefixados e IPCA+ pode ser um exercício de leitura fina da curva — e um teste de sangue frio. O essencial é não se prender a um cenário único: a curva hoje está nos dizendo que o Brasil está em uma encruzilhada, e navegar esse trecho exige flexibilidade mais do que convicção cega.
No fim das contas, a lição que fica é a de que, em momentos como este, a curva revela mais do que apenas taxas: ela expõe o nervo do país e desafia cada investidor a separar ruído de sinal. Como já ouvi de um velho gestor, "a curva não mente, mas às vezes fala em código". Cabe a cada um decifrar o enigma, lembrando que nenhuma estratégia substitui o exercício diário de pensar com autonomia e humildade diante da incerteza. Afinal, o mercado é uma sala de espelhos — a resposta certa pode estar no reflexo menos óbvio.
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