Juros Futuros Ignoram Alívio Global e Curva DI Expõe Risco Fiscal: O Que a Inversão Sinaliza para a Renda Fixa?
Enquanto o mundo enxergou alívio, a curva de juros brasileira dobrou o foco no risco local, acentuando a inclinação e lançando luz sobre oportunidades assimétricas em renda fixa. Descubra como interpretar — e agir — diante desse descolamento entre Brasil e exterior.
O fechamento dos contratos futuros de DI nesta quarta-feira trouxe uma lição rara, mas valiosa, para quem acompanha o coração do mercado de renda fixa: nem sempre o Brasil dança conforme a música internacional, e às vezes, o silêncio lá fora só evidencia o barulho aqui dentro. Os dados do dia desenharam uma curva de juros com sinais claros de inquietação doméstica — enquanto os vencimentos curtos e longos subiram, as taxas intermediárias cederam, consolidando um movimento de steepening que contou outra história além do roteiro global. Para quem viveu crises passadas, como eu, a sensação é familiar: é quando o prêmio de risco se move por motivos genuinamente nossos que o investidor precisa colocar a lupa na curva e se perguntar o que ela está realmente dizendo.
No núcleo do movimento, os vértices curtos, como o DI nov/25, avançaram para 14,908% (+0,05%), acompanhados por alta expressiva no vértice longo, caso do DI out/29, que saltou para 13,335% (+0,22%). O DI out/28 também subiu (+0,04%), mas o destaque curioso foi o recuo nos contratos intermediários: DI out/26 caiu para 14,32% (-0,17%) e DI out/27 recuou a 13,51% (-0,07%). O resultado é uma curva com trechos ascendentes e outros descendentes — uma verdadeira “curva com calombo”, como se o mercado tentasse equilibrar expectativas conflitantes. A divergência ficou ainda mais evidente diante do comportamento dos Treasuries americanos, que recuaram após dados fracos do emprego privado (ADP), cenário que, em tese, aliviaria pressão sobre os juros brasileiros. Não foi o que se viu: o descolamento entre as curvas DI e americana destacou que o risco fiscal, e não o cenário externo, ditou o ritmo local. Lembro de 2015, quando o Brasil também se isolou da tendência global dos juros — e, para quem soube ler o movimento, oportunidades e riscos se revelaram com força redobrada.
O pano de fundo para esse movimento foi montado no Congresso, onde a tramitação do projeto de isenção do IR gerou dúvidas sobre a compensação da perda de arrecadação, reacendendo o temor de deterioração fiscal. Esse receio, somado à postura vigilante do Banco Central diante do risco inflacionário, contribuiu para que o prêmio de risco nos vértices curtos e intermediários saltasse, mesmo diante de um ambiente internacional mais benigno. A influência dos Treasuries, que limitaram uma abertura ainda maior da curva, acabou sendo secundária frente ao peso das incertezas domésticas. Ou seja, o mercado precificou o risco-país acima do risco global.
Tecnicamente, a inclinação da curva contou uma história de tensões localizadas. No curto prazo, o spread entre DI out/26 e nov/25 ficou ainda mais negativo (-58,80bps), acentuando o steepening, sinal de que, para os próximos Copoms, o mercado enxerga dificuldades para cortes expressivos na Selic. O médio prazo, medido pelo spread entre out/27 e out/26, ficou um pouco menos negativo (-81,00bps), sugerindo que parte do prêmio de risco foi deslocado para os vértices mais próximos, talvez refletindo a incerteza sobre o ritmo de ajuste monetário e a resiliência da inflação. Já no longo prazo, o spread entre out/29 e out/28 aumentou para +6,00bps, um steepening relevante: aqui, o recado é que o prêmio de risco fiscal se tornou dominante, empurrando para cima as exigências de retorno para títulos longos. O desenho do dia resultou em uma curva com calombo e twist: não achatada, nem claramente invertida, mas com uma elevação nos extremos e um “vale” intermediário, típico de períodos em que o mercado tenta conciliar preocupações de curto prazo (política, inflação, fiscal) com expectativas de médio e longo prazo ainda em aberto. Essa forma endossa a mensagem da divergência com os Treasuries, reforçando a leitura de que o risco local é o fio condutor do momento.
O movimento de hoje escancarou a tensão latente entre política monetária e risco fiscal. A abertura dos vértices curtos e longos, mesmo diante de um ambiente externo mais suave, sugere que o mercado está precificando não só a dificuldade do Banco Central em avançar nos cortes de juros, mas também a possibilidade de que, sem soluções críveis para o fiscal, o prêmio de risco de longo prazo venha a se manter — ou até a subir. Se o Congresso não entregar contrapartidas confiáveis para a renúncia de receitas, poderemos assistir a um prolongamento desse steepening, com a curva “gritando” por ajustes. Por outro lado, caso surjam sinais concretos de responsabilidade fiscal, o mercado pode rapidamente reverter parte desse prêmio, achatando a curva e devolvendo a sintonia com o exterior. Há uma assimetria latente: a curva está “preparada para o pior”, mas pronta para responder rápido se o cenário melhorar.
Diante desse cenário, a abordagem de alocação que mais dialoga com o dia é a aposta tática na assimetria criada pela divergência da curva — especialmente entre os vértices intermediários (que caíram) e os longos (que subiram). Para investidores com perfil mais arrojado, operações que buscam lucrar com o steepening entre esses pontos — como a montagem de posições que ganham caso o spread entre DI out/29 e out/27 aumente ainda mais — podem capturar parte da volatilidade e do prêmio de risco embutido. O racional é claro: se o receio fiscal persistir, os juros longos tendem a subir mais, ampliando o prêmio; se as incertezas forem dissipadas, a curva pode se achatar, e o risco da posição pode ser limitado de forma calculada. Para quem prefere uma postura mais conservadora, a mensagem é de cautela: títulos pós-fixados continuam oferecendo carrego robusto, enquanto títulos longos prefixados ou atrelados ao IPCA só fazem sentido para quem aceita a volatilidade e acredita em uma resolução positiva do fiscal. O importante, em ambos os casos, é entender que o driver do dia não foi externo, mas sim a percepção de risco-país, e que a curva está sinalizando oportunidades e riscos próprios do contexto brasileiro.
No final das contas, o mercado de juros futuro é, muitas vezes, o melhor sismógrafo do risco-país — mesmo quando o resto do mundo parece em silêncio. Hoje, a curva pediu atenção ao detalhe, lembrando que, no Brasil, os movimentos mais relevantes raramente são óbvios. A verdadeira vantagem está em saber ouvir o que a curva sussurra quando o consenso grita. E você, já parou para pensar no que a curva de juros está dizendo para o seu portfólio — ou apenas escuta o que todos repetem?
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