Juros Futuros Expõem Alerta Fiscal: Bear Steepening Redefine Prêmio de Risco na Curva DI
A curva de juros brasileiros salta enquanto o mundo observa, escancarando um estresse fiscal que reposiciona toda a precificação da renda fixa. Entenda como a dinâmica de bear steepening pode virar o jogo para alocação estratégica em renda fixa.
O fechamento dos contratos de juros futuros hoje trouxe uma mensagem clara, quase como um megafone apontado para Brasília: as taxas dos principais DIs subiram de forma concentrada nos vértices longos, enquanto o resto do mundo, notadamente o mercado americano de Treasuries, respirava aliviado diante do risco de shutdown. Por aqui, o pregão não deixou dúvidas sobre o vetor do dia — o risco fiscal. As taxas do DI para novembro de 2025 praticamente não se moveram (+0,01%), mas os prazos mais longos dispararam: outubro de 2026 subiu 0,17%, outubro de 2027 avançou 0,52%, outubro de 2028 saltou 0,97% e outubro de 2029 fechou com alta de 1,04%. Este movimento de bear steepening, em que a ponta longa da curva sobe mais que a curta, é daqueles sinais que não aparecem à toa. Quando olho para a curva hoje, lembro de 2015, quando todo mundo ainda buscava justificativas externas para um prêmio que era, no fundo, nosso — como quem tenta tampar o sol com a peneira. O mercado está, mais uma vez, forçando uma conversa que o governo tenta adiar.
A explicação de fundo para essa reprecificação passa por uma conjunção de fatores, mas é o ambiente doméstico que rouba a cena. Externamente, a leve queda dos Treasuries de 10 anos nos EUA ajudou a manter o risco global sob controle, mesmo diante de incertezas fiscais por lá. No entanto, esse alívio internacional não contaminou positivamente os ativos locais; ao contrário, serviu como pano de fundo para destacar que o estresse brasileiro é autoinfligido. A notícia do dia — o avanço de projetos com grande impacto fiscal, como tarifa zero no transporte público e a ampliação da faixa de isenção do IR sem fonte de compensação financeira clara — disparou o gatilho. O prêmio de risco exigido para emprestar ao Tesouro no longo prazo subiu de maneira sincronizada, revelando uma preocupação latente dos agentes econômicos com a sustentabilidade da dívida pública. O resultado foi um descolamento entre Brasil e mundo, com a curva DI subindo forte e isolada.
Tecnicamente, a leitura da inclinação da curva reforça esse diagnóstico. No curto prazo, o spread entre os DIs de out/2026 e nov/2025 reduziu seu patamar negativo de -58,80 para -56,40 pontos-base, um steepening modesto (+2,40bps) que sugere pouca alteração de expectativa para o ciclo imediato de política monetária. O Copom permanece no centro do radar, mas não é mais o protagonista do filme. No trecho intermediário, a inclinação também subiu (+4,50bps), o que indica que as preocupações não se limitam ao horizonte dos próximos 12 meses, mas se espalham para um ciclo mais longo de juros e inflação. O destaque, porém, está na inclinação longa: o spread entre out/2029 e out/2028 passou de +6,00 para +7,00 pontos-base, consolidando um bear steepening clássico. Esse movimento revela que o prêmio de risco estrutural está sendo rapidamente reprecificado, com o mercado exigindo taxa adicional cada vez maior para prazos mais distantes — um claro sintoma de deterioração da confiança nas regras fiscais e na capacidade de estabilização da dívida. O formato do dia é de uma curva inclinada, quase em rampa, sem a tradicional “barriga” ou calombo, evidenciando que a reprecificação é ampla e persistente.
A tensão explícita entre a política monetária ainda restritiva e o risco fiscal crescente salta aos olhos. O comportamento dos vértices longos, subindo muito mais que os curtos, mostra que o mercado já não compra a ideia de que só o Banco Central pode segurar a barra sozinho. O bear steepening é, na prática, um voto de desconfiança: enquanto não houver uma resposta convincente para o aumento dos gastos e a fragilização das regras fiscais, a curva continuará pressionada, com prêmio de risco exigido em níveis elevados. O cenário que se desenha é binário: se houver uma resposta fiscal forte e crível, a curva pode encontrar alívio e os prêmios recuarem, especialmente nos vértices longos. Caso contrário, a pressão pode contagiar até os vértices curtos, encarecendo o custo de rolagem da dívida e potencialmente limitando o espaço para cortes adicionais na Selic. O mercado parece precificar, neste momento, que o risco fiscal pode contaminar a própria dinâmica de inflação futura, elevando o custo de ancoragem das expectativas e tornando a tarefa do Copom mais árdua.
Diante desse cenário, a abordagem de alocação que me parece mais relevante hoje é ancorar na dinâmica da inclinação e explorar a mensagem contundente do bear steepening como sinal antecedente. Em momentos assim, vejo valor em estratégias de barra ("barbell"): concentrar a maior parte da carteira em pós-fixados de alta liquidez (Tesouro Selic, CDBs curtos), que protegem contra novas ondas de volatilidade, e atrelar uma fatia menor — mas significativa — a títulos de inflação de prazos longos (Tesouro IPCA+ 2035/2045) ou mesmo prefixados longos, que já embutem prêmio de risco elevado. A racionalidade está em capturar o rendimento elevado dos juros atuais no curto prazo, mantendo a flexibilidade caso o cenário fiscal se deteriore, enquanto o prêmio dos longos pode compensar, no médio e longo prazo, eventuais ajustes positivos nas expectativas fiscais. Vale lembrar que, diante deste bear steepening sustentado, o risco de duration é elevado, então a parcela de títulos longos deve ser calibrada conforme o perfil de tolerância a risco de cada um. Para investidores mais táticos, o movimento pode abrir espaço para operações de "steepener/flatteners" na curva futura, mas essa é uma seara para quem domina o terreno.
No fim do dia, o mercado deixou um recado: quando a curva fala tão alto sobre risco fiscal, vale a pena escutar. Em vez de buscar respostas prontas, pergunte-se — o prêmio embutido hoje compensa o risco que você está disposto a correr? Nos momentos em que o ruído fiscal domina, ser curioso e questionador vale mais que qualquer fórmula de alocação. Afinal, no mercado de renda fixa, muitas vezes a dúvida é o maior dos ativos.
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