Juros Futuros e o Cabo de Guerra Global: Como a Curva de DI Expõe Oportunidades em Renda Fixa Diante da Tensão entre Fed e Risco Cambial
Descubra como a leitura refinada da curva de juros futuros pode antecipar movimentos estratégicos em renda fixa, mesmo diante de sinais conflitantes entre dólar, Fed e prêmio de risco local.
Hoje, a curva de juros DI fechou sob o signo da incerteza, mas revelou nuances preciosas para quem sabe ler além do preto no branco dos números. O que mais me chamou atenção foi a intensidade da queda das taxas intermediárias e longas, contrastando com a resiliência dos vértices mais curtos. Os contratos de DI com vencimento até novembro de 2025 mostraram estabilidade, subindo levemente (+0,03%), enquanto os DIs para out/2026 caíram 0,14%, os de out/2027 recuaram 0,48%, out/2028 cederam 0,45% e out/2029 fecharam com baixa de 0,33%. O movimento, embora majoritariamente de queda, foi desigual ao longo da curva — e justamente aí mora o insight do pregão.
O pano de fundo internacional foi dominado pela repercussão do discurso de Jerome Powell. O simples gesto de sugerir que o Fed pode pausar a redução do balanço (QT) teve efeito imediato: os rendimentos dos Treasuries recuaram, o que, por transmissão direta, permitiu que a curva brasileira também cedesse — especialmente nos prazos mais longos, onde o impacto da referência externa é mais pronunciado. No entanto, a notícia de que a China sancionou empresas americanas adicionou ruído geopolítico, elevando a demanda global por dólares e jogando pressão sobre o câmbio brasileiro. Essa pressão, por sua vez, impediu que a queda das taxas DI fosse ainda mais acentuada, principalmente nos vértices longos, sensíveis ao risco-país e ao prêmio cambial. Não houve fatores internos relevantes hoje, o que apenas reforçou o papel protagonista do cenário externo.
Analisando tecnicamente a inclinação da curva, é possível enxergar o cabo de guerra em ação. No curto prazo, o spread entre os contratos de out/2026 e nov/2025 ampliou-se levemente em direção do steepening (-2,40bps), sugerindo que a expectativa para a trajetória da Selic permanece ancorada, mas com uma leve inclinação a favor de cortes futuros, ainda que tímidos e cautelosos. No médio prazo, o spread entre out/2027 e out/2026 aumentou mais fortemente (-4,50bps), reforçando que o mercado começa a vislumbrar um ciclo de afrouxamento monetário mais robusto, mas ainda condicionado ao ambiente internacional. Já no longo prazo, o spread de out/2029 sobre out/2028 subiu ligeiramente (+1,50bps), indicando que, embora a queda dos juros americanos alivie parte do prêmio de risco, o mercado continua exigindo uma compensação extra para carregar risco brasileiro por prazos mais longos — reflexo do ruído fiscal e da vulnerabilidade cambial. O desenho resultante é de uma curva com inclinação negativa dos curtos aos intermediários, mas com um leve “calombo” (bump) nos vértices longos, retratando uma postura ambivalente: expectativa de alívio monetário, mas sem ignorar riscos estruturais.
A divergência mais didática do dia foi entre a queda das taxas de juros futuros e a alta do dólar. Em geral, uma queda dos DI costuma vir acompanhada de apreciação do real, sinalizando apetite por risco. Hoje, essa correlação se quebrou: os DIs caíram, mas o dólar subiu. O mercado, portanto, não está 100% convencido de que o alívio vindo do Fed será suficiente para compensar o aumento do risco geopolítico ou eventuais ruídos fiscais domésticos futuros. Isso reforça o caráter “duplo” da precificação do dia: busca-se o prêmio de carry na renda fixa local, mas sem descuidar da proteção contra choques externos.
Diante desse cenário, acho interessante refletir sobre como a curva de hoje ilustra a tensão entre a política monetária global e os riscos idiossincráticos do Brasil. O comportamento dos prazos curtos e intermediários sugere que o mercado está testando a disposição do Banco Central em desacelerar o ritmo do aperto, aproveitando a janela aberta pelo Fed. Por outro lado, a forma da curva — especialmente o leve calombo nos vértices longos — revela que ninguém está disposto a ignorar o risco fiscal ou a pressão cambial. Caso o alívio externo persista, poderíamos ver um fechamento mais sincronizado da curva de DI, com ganhos expressivos para quem “travar” taxas elevadas hoje. No entanto, se o dólar continuar pressionando e alimentar expectativas de inflação futura, o espaço para cortes mais profundos de juros pode ser mais limitado do que parece.
Neste contexto, a abordagem de alocação que mais se destaca é ancorada justamente na divergência entre juros e câmbio: uma assimetria que pode ser explorada por quem busca proteção e potencial de ganho com a marcação a mercado. A tese central é que, apesar do otimismo da curva de juros (sob influência do Fed), o dólar forte indica que o risco de inflação importada e de deterioração fiscal ainda não está totalmente precificado nos vértices longos. A oportunidade reside em migrar parte da carteira de títulos prefixados — que podem sofrer se o Copom for forçado a manter juros altos por mais tempo — para títulos indexados à inflação (Tesouro IPCA+), especialmente nos prazos intermediários e longos. O gatilho para essa estratégia seria a consolidação do dólar acima de um patamar técnico relevante, acompanhada de sinais de que o Copom está atento à pressão cambial e menos inclinado a acelerar cortes. A execução, então, envolve reduzir gradualmente a exposição a prefixados e aumentar a alocação em IPCA+, que oferecem proteção inflacionária caso o cenário externo continue volátil. A disciplina de saída está em monitorar o comportamento do dólar: se a moeda americana reverter e o real se fortalecer, a tese perde força e pode ser hora de rebalancear novamente para prefixados, aproveitando o novo ambiente de alívio.
Resumindo, a assimetria aqui está em capturar o potencial duplo: proteção contra inflação e risco fiscal, com a chance de ganho extra se a curva longa fechar num cenário de resolução dos ruídos externos. O risco, por outro lado, é limitado pela própria natureza híbrida do IPCA+, que protege parte do retorno real.
No fim das contas, a leitura da curva de hoje é um convite à humildade analítica: nem sempre os sinais convergem, e é justamente na interseção dos ruídos que surgem as melhores oportunidades para quem observa com atenção. Assim como em um xadrez, às vezes o caminho mais seguro é proteger o rei antes de buscar o xeque-mate — fica a provocação para quem prefere antecipar o movimento do mercado a simplesmente reagir a ele.
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