Juros Futuros: Como a Curva DI Revela a Fragilidade do Otimismo e Onde Encontrar Valor em Renda Fixa
Acompanhe a anatomia do fechamento da curva de juros, entenda o recado das divergências entre mercados e descubra como estruturar uma estratégia em renda fixa diante de um otimismo que pode ser mais reflexo do exterior do que convicção local.
No pregão de hoje, a curva de juros futuros DI entregou um espetáculo que vale ser destrinchado com lupa. Os principais contratos fecharam com expressivas quedas de taxa — especialmente nos vértices mais longos, como o DI29, que recuou 23 pontos-base, e o DI28 e DI27, ambos caindo 15 pontos-base. No curto prazo, o DI25 andou pouco, apenas -4 bps, deixando claro onde estava o verdadeiro motor do dia. A fotografia dos vencimentos revela um achatamento: taxas mais longas caindo bem mais que as curtas. Só que, para quem olha o quadro mais amplo, a festa perdeu parte do brilho ao notar que o dólar subiu 0,37% e o Ibovespa cedeu 0,29%. Esse descompasso é como aquela sensação de entrar numa sala iluminada, mas sentir o chão tremer sob os pés.
O pano de fundo para esse movimento foi, essencialmente, a tempestade de alívio vinda dos mercados globais. Os Treasuries americanos de 10 anos despencaram 43 pontos-base, um movimento raro em magnitude, sinalizando busca por proteção ou reavaliação do ritmo de aperto pelo Fed. Isso derrubou o “preço do dinheiro” global e, como efeito dominó, permitiu que os juros brasileiros recuassem, sobretudo nos prazos longos, que são mais sensíveis ao humor internacional. No entanto, o Brasil continua a exibir sua velha cicatriz: a incerteza fiscal. O ruído em Brasília, com o governo correndo para tapar buracos de arrecadação depois do fracasso de uma medida provisória, manteve o investidor local com o pé no freio. Apesar do discurso comprometido com o arcabouço, a desconfiança permaneceu — e foi suficiente para impedir que o real se valorizasse ou que a bolsa acompanhasse o otimismo da curva DI. O resultado: um alívio de fora que não encontrou eco nos fundamentos internos.
Tecnicamente, a leitura da inclinação da curva DI reforça essa narrativa de dependência e vulnerabilidade. No trecho curto, o spread entre o DI26 e o DI25 ficou ainda mais negativo (-65,7 bps), marcando um leve flattening de -1,4 bps. Isso aponta para um mercado que, embora veja espaço para cortes residuais de juros, não enxerga uma aceleração do ciclo de afrouxamento — a ancoragem segue firme no discurso cauteloso do Banco Central, como se o investidor dissesse: “Ok, podemos cortar mais, mas sem pressa e sem entusiasmo”. No médio prazo, a inclinação permaneceu estável, sugerindo que as expectativas sobre inflação e política monetária não mudaram no radar de 2026 para 2027: o ciclo já está precificado, e só um choque externo ou local mudaria esse quadro. No longo prazo, a diferença entre DI29 e DI28 diminuiu para +10,5bps, mostrando um leve flattening (-1,0bps) que reforça a ideia de que o prêmio exigido para o horizonte mais distante recuou, mas segue alto. A forma do dia é de uma curva “achatada”, ou “flattening técnico”, típica de momentos em que o alívio externo é limitado pela cautela interna — a barriga da curva cede, mas o risco estrutural não desaparece.
A divergência entre a curva de juros e os outros ativos brasileiros é o espelho de uma tensão fundamental: enquanto o exterior oferece trégua, o pano de fundo doméstico permanece desafiador. Essa dicotomia revela uma espécie de cabo de guerra: de um lado, o alívio global permite que a curva DI respire; do outro, o risco fiscal impede que essa melhora se espalhe para o câmbio e para a bolsa, onde a cautela segue dominante. Quando vejo esse tipo de descolamento, lembro de um episódio marcante na minha trajetória: certa vez, após um leilão de NTN-B muito bem sucedido, vi colegas comemorarem a queda dos juros reais — mas no dia seguinte, bastou um rumor sobre mudança na meta fiscal para o mercado devolver tudo em minutos. O recado? Acredite, o alívio importado é volátil, e o prêmio de risco doméstico nunca dorme.
O movimento de hoje escancara a tensão entre política monetária e risco fiscal. A curva até tentou embalar no ritmo global, mas a reação morna do câmbio e da bolsa deixou claro que o mercado local não está convencido de que a queda dos juros seja sustentável sem uma solução fiscal concreta. O que a curva sugere é que, por ora, o risco de inflação segue controlado — o curto prazo mal se mexeu —, mas o prêmio embutido nos vértices longos ainda embute desconfiança. Se o cenário externo seguir benigno, poderíamos ver mais fechamento de taxas longas, especialmente se houver qualquer avanço na agenda fiscal. Por outro lado, se a incerteza doméstica se agravar, a curva pode voltar a abrir, com o prêmio de risco retornando rapidamente. Nesse cabo de guerra, o investidor precisa estar atento ao “ruído” do dia, mas também ao “sinal” estrutural — e hoje, o sinal é de dependência externa e fragilidade local.
Diante desse quadro, a abordagem mais assimétrica se ancora justamente na divergência entre os mercados — juros caindo, dólar subindo. O argumento consensual, hoje, é que o otimismo da curva DI (queda de taxas) está correto, pois o alívio global teria aberto espaço para cortes futuros. Minha hipótese é que esse otimismo pode estar enviesado: o movimento do dólar sugere que o risco fiscal ainda está muito vivo, e que a pressão inflacionária pode ressurgir se o real continuar depreciando. A assimetria está em apostar que a curva de juros futuros pode rapidamente reverter parte das quedas se esse “pânico” cambial se materializar em inflação, forçando o BC a manter juros altos por mais tempo. O gatilho para essa tese seria um fechamento do dólar acima de um nível técnico importante e, mais importante, com manutenção do volume — ou seja, se o câmbio seguir pressionado nos próximos dias, com o DI29 parando de recuar e eventualmente voltando a subir. Na execução, para quem já carrega títulos prefixados longos, talvez seja a hora de reduzir exposição, migrando parte da carteira para títulos indexados à inflação, como o Tesouro IPCA+, que protegem melhor em cenários de choques inflacionários. Para quem tem perfil conservador, pode ser prudente aumentar a fatia em pós-fixados, evitando o risco de marcação a mercado negativa se a curva reabrir. A disciplina de saída é clara: se o dólar reverter e voltar a se apreciar, e o DI29 continuar cedendo, a tese de estresse cambial-inflacionário perde força — seria o momento de reavaliar e, talvez, voltar a aumentar a duration prefixada na carteira.
Em resumo, a assimetria está em se proteger de um otimismo que depende demais do vento internacional, enquanto o risco fiscal segue rondando o ambiente local. O poder de ganho dos títulos indexados à inflação, caso o cenário se deteriore, parece conceitualmente mais interessante do que o risco de perda, já que muito do otimismo com cortes já está embutido nos preços atuais.
Se há algo que aprendi ao longo dos anos é que, nos mercados, a convicção cega pode ser tão perigosa quanto a indecisão. Ao enxergar as divergências entre os sinais, você passa a navegar com bússola própria, em vez de apenas seguir o vento. Afinal, nem sempre a maré que acalma a superfície é sinal de águas tranquilas no fundo.
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