Curva de Juros Futuros Expõe Fissura Entre Risco Fiscal e Política Monetária: Como Ler o Sinal e Pensar sua Renda Fixa
Alta nos vértices longos mostra descompasso entre confiança no Banco Central e desconfiança no fiscal. Entenda como a forma da curva pode influenciar sua decisão de alocação hoje.
O fechamento dos contratos de juros futuros desta sexta-feira trouxe um daqueles quadros que, à primeira vista, até parecem rotineiros: DI curto estável, DI longo subindo. Mas, como quem já viu esse filme antes sabe, quando a curva "quebra" desse jeito, é porque o mercado está tentando nos contar algo além do óbvio. Hoje, os vencimentos para 2025 fecharam praticamente inalterados (out/2025 em 14,90%), enquanto 2026 subiu levemente para 14,29% (+7bps). O que realmente chamou atenção foi a disparada nas pontas longas: out/2027 foi para 13,41% (+19bps), out/2028 foi para 13,15% (+23bps) e, principalmente, out/2029 saltou para 13,20% (+38bps). Isso tudo num dia em que o curto ficou parado. Não é casual: é sintoma de um cenário que perdeu sua coerência interna — e, para quem acompanha a curva, esse é sempre o sinal mais valioso.
Esse descompasso teve raízes tanto lá fora quanto aqui dentro. Do lado externo, a elevação dos juros dos Treasuries americanos aumentou a pressão sobre todos os mercados emergentes, obrigando o Brasil a oferecer mais prêmio para continuar competitivo na atração de capital. Internamente, o estresse fiscal ganhou novo fôlego após a IFI divulgar projeções mais pessimistas para as contas públicas, enquanto o comunicado do Copom, visto como mais duro, reforçou que o Banco Central vai manter a guarda alta contra a inflação. O resultado foi um ajuste claro: enquanto a política monetária atual ainda goza de credibilidade e "ancora" o curto prazo, a ponta longa da curva refletiu uma crescente desconfiança na trajetória fiscal e no controle da dívida pública. Lembro de um gestor experiente me dizer, anos atrás, que "o DI longo é como um detector de fumaça: ele apita antes mesmo de vermos o fogo". Hoje, o alarme soou alto.
A leitura técnica da curva revela nuances essenciais. No trecho curto, o spread entre out/2026 e out/2025 ficou praticamente estável (-61,20bps, alta de apenas 1bp), mostrando que as apostas para a Selic em 2025/26 pouco se alteraram — um sinal de que o mercado não vê espaço nem para cortes nem para surpresas nas próximas reuniões do Copom. Já no médio prazo, a diferença entre 2027 e 2026 subiu levemente (+1,5bps), sugerindo que o ciclo de cortes de juros, se vier, será lento e dependente de um cenário macro mais benigno, algo que hoje está mais distante. O grande movimento, porém, esteve no longo prazo: o spread entre 2029 e 2028 saltou para +5bps, um steepening claro, indicando que o prêmio de risco estrutural aumentou. A curva, portanto, saiu do padrão de "normalidade" e se alongou, formando o que muitos chamam de "calombo" ou "steepening": a base sólida no curto, mas uma elevação notável na cauda longa. Esse formato é o retrato fiel de um mercado que aposta em estabilidade de política monetária no presente, mas questiona a sustentabilidade fiscal e inflacionária no futuro.
Se há algo que salta à vista hoje, é a tensão latente entre a política monetária restritiva — ainda confiável no curto prazo — e a crescente incerteza fiscal, que vai contaminando os vértices longos da curva. O movimento não decorre de uma perda de fé no Banco Central, mas sim do entendimento de que, por mais duro que seja o combate à inflação agora, ele pode ser insuficiente caso o risco fiscal continue se deteriorando. O mercado precificou, nas pontas longas, a possibilidade de que o prêmio de risco precise subir ainda mais para compensar o aumento da dívida ou eventuais choques de inflação de longo prazo. Se o governo conseguir apresentar sinais mais sólidos de controle de gastos e uma âncora fiscal crível, poderíamos ver a curva longa aliviar — mas, enquanto isso não ocorre, a inclinação elevada pode persistir, alimentando volatilidade e exigindo atenção redobrada de quem investe em renda fixa. Cenários alternativos, como uma reversão no fluxo externo ou um ajuste inesperado das expectativas de inflação, também poderiam alterar rapidamente o desenho da curva.
Diante desse cenário, a forma "calombada" da curva — com estabilidade nos curtos e abertura forte nos longos — sugere algumas abordagens de alocação que podem ser consideradas por quem quer navegar com inteligência por esse mar revolto. Para perfis conservadores e que priorizam capital e liquidez, o sinal de hoje reforça a tese de manter posição relevante em pós-fixados curtos (Tesouro Selic ou CDBs de liquidez diária), aproveitando o carrego elevado enquanto o cenário segue incerto. Já para perfis mais arrojados, o steepening pode ser visto como uma oportunidade assimétrica: uma alocação tática, pequena e bem calibrada, em prefixados longos, pode capturar eventual fechamento da curva caso o fiscal surpreenda positivamente — mas, claro, sabendo que o risco de perda de capital é real se a incerteza persistir ou aumentar. Por fim, não se pode ignorar o papel dos títulos atrelados à inflação (IPCA+): com o prêmio subindo justamente por causa do risco fiscal, esses papéis oferecem uma proteção natural contra choques de preços no horizonte mais longo. O segredo, como sempre, está em combinar duration e indexadores conforme o apetite e a necessidade de cada um, sem perder de vista que, em dias como hoje, a curva fala mais do que as manchetes.
Fecho com uma reflexão: quando o mercado nos mostra sinais tão claros de tensão — ora na forma sutil de um steepening, ora no grito estridente do DI longo — a melhor resposta não é buscar certezas, mas desenvolver a sensibilidade para ler esses sinais e ajustar o leme. O investidor atento não é aquele que prevê o vento, mas quem ajusta as velas assim que ele muda de direção.
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