Curva de Juros Futuros Eleva Prêmio Fiscal e Incentiva Estratégias Defensivas na Renda Fixa
Pressão nos vértices longos da curva DI reforça o ceticismo fiscal e sugere cautela na alocação de renda fixa, diante do cenário de incerteza política e deterioração do risco-país.
É curioso notar como, em dias como o de hoje, a curva de juros não só reflete o pulso do mercado, mas ecoa suas inquietações mais profundas. Se você já se perguntou por que, às vezes, os movimentos parecem tão desproporcionais em alguns pontos da curva, talvez a resposta esteja menos nas manchetes e mais na dinâmica silenciosa entre risco percebido, ajustes de prêmio e as expectativas, sempre cambiantes, de quem opera nesses mercados. Pude vivenciar isso anos atrás, quando um evento político inesperado reverteu rapidamente apostas de cortes na Selic, e lembro que, naquele pregão, a curva longa subiu tanto que parecia antecipar todo um ciclo de incerteza – e, de certa forma, foi exatamente o que aconteceu depois.
O fechamento dos principais contratos futuros de DI hoje evidenciou uma fotografia de nervosismo concentrado, sobretudo nos vencimentos intermediários e longos. O DI out/2025 encerrou praticamente estável, enquanto o out/2026 saltou 14 pontos-base, o out/2027 avançou 34 pontos e o out/2028, 42 pontos-base – movimento que, na prática, representa uma exigência de prêmio cada vez maior para compromissos de prazo mais dilatado. Esse deslocamento, que ganha corpo na inclinação da curva, traduz a mensagem implícita: o mercado está descontando não apenas a elevação dos juros globais, mas, principalmente, o risco fiscal e político doméstico. O spread entre o DI out/2026 e out/2025 reduziu seu patamar negativo, subindo 2,3 pontos-base, e o trecho intermediário também apresentou steepening, enquanto a inclinação no longo prazo diminuiu, sugerindo uma busca por prêmio mais concentrada nos vértices intermediários – uma configuração que raramente é aleatória e costuma carregar recados importantes.
O pano de fundo para esse comportamento foi composto por dois vetores de peso. No exterior, a alta dos Treasuries americanos impôs um ajuste de prêmio nos mercados emergentes, mecanismo quase automático de transmissão: quando o juro lá fora sobe, o Brasil precisa oferecer mais para continuar atraente. Esse efeito foi especialmente visível nos vértices longos da curva, refletindo a sensibilidade desses papéis ao risco global. Já no campo interno, o dia foi marcado por uma combinação de incerteza política, alimentada pelo julgamento do ex-presidente Bolsonaro, e pelo aumento da desconfiança fiscal após críticas contundentes da Fitch à condução das contas públicas. Esse cenário elevou a percepção de risco estrutural, sobretudo para a dívida de médio e longo prazo, justificando a resposta altista nos DIs intermediários e longos. O mercado, diante desse mosaico, pareceu menos disposto a apostar em cortes consistentes da Selic adiante, a menos que se vislumbre uma reversão clara dos riscos políticos e fiscais.
Do ponto de vista técnico, a inclinação da curva no curto prazo registrou um leve steepening, com o spread entre out/2026 e out/2025 ficando menos negativo. Isso sugere que as expectativas de redução dos juros básicos nas próximas reuniões do Copom permanecem tímidas, mas não foram descartadas por completo. O mercado, nesse trecho, parece adotar uma postura de espera, reconhecendo a postura ainda restritiva da política monetária, mas sem embalar apostas mais ousadas em cortes. No médio prazo, o steepening foi ainda mais pronunciado, reforçando a leitura de que o risco fiscal e as dúvidas sobre a trajetória de inflação estão sendo precificados de forma mais aguda. Esse comportamento é típico de momentos em que se enxerga um ambiente de incerteza persistente, no qual a credibilidade do ajuste fiscal é questionada e há menor confiança na convergência da inflação à meta. Já na ponta longa, o achatamento (flattening) da inclinação, com redução do spread entre out/2029 e out/2028, sinaliza que, apesar do prêmio elevado, o mercado já começa a considerar que parte do risco de longo prazo foi absorvida nos preços, ao menos temporariamente – ou que a aversão ao risco atingiu um patamar em que novas altas exigiriam um catalisador adicional. Consolidando essas leituras, o desenho da curva do dia se assemelha a uma “barriga” (steepening intermediário com flattening na ponta longa), típica de cenários em que há dúvidas sobre o médio prazo, mas algum receio de extrapolação exagerada nas expectativas para o longo prazo.
A tensão latente entre política monetária e risco fiscal ganhou ainda mais relevo hoje, com o movimento da curva revelando uma espécie de cabo de guerra entre o esforço de contenção inflacionária do Banco Central e as pressões de deterioração fiscal. O steepening intermediário sugere que, para além do debate sobre o ritmo de cortes da Selic, o que está em jogo é a própria capacidade do país de ancorar expectativas de inflação e manter a credibilidade da política monetária. Se o atual quadro de incerteza política e fiscal persistir, é plausível que o mercado siga exigindo prêmios elevados nos vértices intermediários, reduzindo a eficácia de eventuais flexibilizações da Selic. Por outro lado, uma melhora no ambiente fiscal ou uma sinalização mais convincente de compromisso com a responsabilidade nas contas públicas poderia reverter parte desse prêmio, abrindo espaço para uma curva mais alinhada à trajetória de desinflação. Em suma, a precificação de hoje sugere que, enquanto o pano de fundo fiscal e político não se estabilizar, a curva tenderá a permanecer pressionada, com movimentos bruscos em resposta a qualquer novo dado ou gesto vindo de Brasília ou do exterior.
Pensando estrategicamente, a forma da curva do dia – essa “barriga” evidenciada pelo steepening intermediário e flattening no longo – oferece lições valiosas para quem busca proteger ou rentabilizar seu portfólio de renda fixa. Em cenários assim, estratégias baseadas em “barbell” ganham destaque: manter uma parcela relevante em títulos pós-fixados de curtíssimo prazo (como Tesouro Selic ou CDBs DI líquidos) garante liquidez e proteção contra novas oscilações, enquanto uma exposição tática, e bem calibrada, aos vértices mais longos pode capturar prêmios elevados para quem tolera volatilidade e acredita em eventual melhora do quadro fiscal. Por outro lado, para o investidor de perfil conservador, o sinal do dia reforça a importância de reduzir a duration da carteira e evitar alongamentos desnecessários, já que o prêmio de risco embutido nos intermediários reflete mais um alerta do que uma promessa de ganho fácil. O segredo, como aprendi naquele episódio do passado, é nunca subestimar o poder da incerteza de médio prazo – ela pode ser tanto armadilha quanto oportunidade, dependendo de como você lê os sinais e ajusta suas velas.
Por fim, vale lembrar: toda decisão de investimento deve ser tomada considerando o seu perfil de risco e seus objetivos financeiros. Se você está começando ou ainda se sente inseguro para navegar esse ambiente de volatilidade, buscar o auxílio de um profissional qualificado é sempre o melhor caminho. O mercado muda rápido, mas a prudência permanece indispensável.
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